16 de abril de 2013
Durante a madrugada eles se esgueiram, esperando os primeiros restos de quem parte para o trabalho: suspiros, sorrisos, lágrimas, ranger de dentes. Aquela latinha chutada com força por um homem com botas vai cheia de frustração. Será que ele vai extravasando até o próximo quarteirão? É tão difícil perseguir a dor…
As primeiras sacolas vêm daqueles que saem junto com os raios de sol. E já estão os catadores em plena atividade. Resíduos de amor, ódio, restos da traição: um preservativo, copos quebrados, pontas de cigarro com ou sem batom. Moça, pode me dar esse sorriso de canto de boca?
Ai, esse povo que não faz a coleta seletiva! Misturam lenços perfumados com garrafas de cerveja vazias, restos de papel manchados por maquiagem borrada com café amargo. Coaram café no rescaldo da noite.
Muita sorte se encontram um sorriso aberto, mesmo que numa dentadura (será que me cabe?). Se vierem depois do almoço, encontram gargalhadas infantis e uma conta telefônica triturada para que não se revelem as muitas ligações em busca da compensação carinhosa que as noites não trouxeram… Carinho… Ei, madame, sobrou algum aí? Um velho, que seu marido não use mais, ou que a senhora já deixou esfriar… pode nos saciar por semanas… Não? Tá bom… Mas não espere pelo Natal, dona… todo dia a gente cata o que não temos. Não é só em dezembro que se quer brincar de acreditar num ano realmente novo…
Aquela jovem ali jogou escondido um teste de gravidez no lixo da vizinha. Ô, moça, moça! Você doou amor demais, não sobrou nadinha? Nem o remorso? E alívio, tem? Ai, garota, vê aí um pouquinho…
A última chance é na boca da noite, antes que o caminhão arraste e triture as emoções. Ah, um amor perdido! Ao menos uma rosa despedaçada por um bem-e-mal-me-quer. Quem o quer são eles, bem ou mal. Mas deles! Enquanto um homem sai furtivamente da casa da cunhada, solta um saco de arrependimentos ao pé do muro. Mas isso não se recicla. Melhor deixar lá, mesmo.
O lixo premiado vem das casas onde se pôs fim a um grande amor. Cartas, cartões, fotos, lembranças rasgadas, úmidas pelas lágrimas. É um quebra-cabeça de uma história cuja razão do ocaso nunca o casal saberá exatamente. E se a carta vier com remetente, bingo! Vamos lá, ver se sobra um beijo roto, esfarrapado, em frangalhos? Aceitamos. Queremos. Catamos. Preciso. O que não te serve mais pode ser a minha salvação.
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