Eu frequentemente mantenho na memória uma declaração de um de meus famosos “colegas de aniversário”, a cantora Janis Joplin (os outros são o escritor Edgar Allan Poe, o pintor Paul Cézanne e o inventor James Watt – sempre quis declarar meu orgulho por esses “coaniversariantes”), numa entrevista sobre sua carreira, quando perguntaram-lhe o que era mais difícil na atividade de cantora. Ela disse algo como: “É ser amada por milhares de pessoas quando estou no palco e depois voltar sozinha pra casa, chorando”.
Se Joplin vivesse nos dias de hoje, talvez se sentisse um pouco melhor ao poder ter “contato” pelo mundo virtual com vários desses fãs ou ainda com outras pessoas, através das mídias sociais. Mas o pior é que provavelmente não adiantaria muito. Nestes dias em que tudo é muito transitório, descartável, e em que as pessoas mal têm tempo para si, quanto mais para os outros, ser alguém carente é quase proibitivo.
Na verdade, a primeira reação (bem-intencionada, diga-se) dos melhores amigos é a de aconselhar você a que não se exponha nas mídias sociais, porque muitas pessoas não entenderão, e porque você atrairá uma carga enorme de energia negativa, entre desafetos silenciosos, rivais em potencial, “humoristas” de plantão, patrões investigadores da vida particular alheia, ou pessoas que simplesmente se deliciam ao saber que alguém está numa fossa pior que a deles e não consegue “segurar a onda”, ao lançar um grito de socorro (ou simples desabafo) no facebook, twitter, instagram etc etc etc.
E os melhores amigos podem até ter razão. Mas é muito complicado esperar que alguém que gosta de palavras fuja delas nesses momentos mais delicados. Acaba sendo chato, porque muitas pessoas se atingem, acham que a mensagem lhes aborrece, entristece, ou até, em casos mais específicos, lhes foi direcionada. Não. As pessoas precisam entender que nós, os sentimentais (ou “sentimentaloides”, para alguns), não estamos caçando bruxas; não culpamos ninguém. Só queremos… lamentar. Sermos ouvidos/lidos (e, de preferência, respondidos, acariciados na alma, se no corpo não for possível). Se não podemos ganhar abraços de conforto das paredes que nos cercam, pelo menos que venham pelo mundo virtual, às vezes tão frio, mas que também pode usar palavras de acalanto.
E é comicamente trágico como isso se espalha nas relações de toda espécie. Hoje as pessoas possuem uma terrível dificuldade de entender que se o mundo está globalizado, se as notícias se espalham em segundos pela Internet, se todos sabem sobre a vida de todo mundo pela atualização do feed de notícias, é natural que queiramos mostrar a felicidade e também as agruras da vida por qualquer modo desses. Ficamos meio cansados de nos esconder, de não poder mostrar felicidade, ou tristeza, sob pena de sermos ditas pessoas “que se expõem demais“. O mundo está assim. Por que deveríamos ser diferentes? Por que não assumir namoros, lágrimas, abraços, paixões, frustrações, beijos, emoções em público? Por que as pessoas não assumem o que são, e preferem camuflar-se atrás de silêncios odiosos, relações escondidas, indiferenças “superiores”?
O que deveria ser fator de integração e comunicação virou um campo minado de exposição de fraquezas, deficiências, carências. O medo do julgamento parece ser mais preponderante que o orgulho da autenticidade. Tudo porque muitos são subjugados pela opinião alheia e o império da aparência marcha a passos largos para a exclusão social dos mais tímidos, mais carentes, mais necessitados de afeto e autoafirmação explícitos. As fotos belíssimas de pessoas lindamente inatingíveis, as manifestações de um inaceitável “tanto faz” para a vida e as contundentes provas de desamor pelo mundo chegam a ser ofensivas, uma paulada na cabeça de quem queria, simplesmente, viver aberta e sinceramente numa sociedade onde ser feliz (ou triste) e demonstrá-lo é quase um crime.
Este próprio texto deve ser motivo de poucas análises, e vários sentimentos díspares de deboche, pena, indiferença, raiva, desprezo e, quem sabe, mais “broncas” e aconselhamentos. Mas é bom que se diga que pessoas como nós não queremos nenhum dos sentimentos ruins listados acima, especialmente a pena, o pior de todos. Por outro lado, ansiamos um silêncio respeitoso e reflexivo, que traga resposta para uma pergunta: “o que posso fazer para melhorar minha relação com o mundo que me cerca?” Eu mesmo já quis fazer várias coisas. Uma delas seria sair desse universo virtual. Mas seria me acovardar, e desse mal, ao menos, não sofro. Preferi, então, escrever esse texto e enfrentar as críticas (positivas ou não). E depois “voltar pra casa”, qual Janis.
2 de dezembro, 2015
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