O que há em comum entre o pensamento de quem acha que a exposição de um homem nu em um museu (como o do Santander) é criminosa e o de quem defende que toda obra de arte com representatividade (como o cantor Pabllo ou o filme “Pantera Negra”, para dar dois exemplos) tem valor, independentemente de sua qualidade?
Apesar da resposta ser aparentemente difícil, pois ambos à primeira vista se mostram ser diametralmente opostos, não se trata de algo tão complexo de se entender: os dois posicionamentos são extremamente chatos, inconvenientes e acreditam numa “arte” que necessariamente deva ser útil, educativa, comprometida com algum juízo de valor ou moral.
Isso não é novidade. Walter Benjamim ridiculamente já pregava tal asneira ao analisar a obra simbolista de Charles Baudelaire; assim como, em ambiente local, o livro “Utiludismo – A socialidade da arte ”, de Pedro Lyra, já defendia essa aberração.
Na verdade, a Arte não deve satisfação moral a nada ou a ninguém. Não tem dever de levantar bandeiras ou de ser representativa de movimento algum, por mais digno e valoroso que este seja, nem pode ser condenada, ainda que defenda conceitos detestáveis a nossos olhos de cidadão. A Arte tem função em si mesma, em ser Bela, dentro do conceito de Estética, não do de cidadania. Pode, sim, levantar questionamentos e defender causas, mas não tem qualquer obrigação disso. Seu princípio está em si mesma, e embora muita gente deteste isso, a única verdade é que ela está acima do Bem e do Mal.
Num país em crise de valores como o nosso, é comum que esse tipo de patrulhamento ideológico prolifere. Se por um lado há os imbecis retrógrados e conservadores, que acham que a Arte deve obedecer a conceitos de Família, Religião e Moral, há os igualmente insuportáveis “politicamente corretos”, que exigem uma aceitação de que a representatividade de uma obra ou de seu artista é mais importante que sua qualidade, quer ela tenha, quer não. E escondem-se atrás do ridículo argumento de que “tudo é relativo”, ou do famigerado “gosto não se discute” (mas só quando não favorece seus ideais).
O fato é que a qualidade da Arte (e, portanto, o gosto) se discute, sim, pois tem seus próprios valores, os da Estética. O que não se discute é o direito de cada um gostar daquilo que quiser. Mas a Estética é uma ciência, não uma questão de dialética social. Existem modos de determinar se uma obra de Arte tem qualidade elevada ou não, e não servir a causa alguma deliberadamente é uma delas. E antes que alguém esperneie, entenda: a Arte não é alienada, é fruto de uma sociedade. Portanto, se a manifestação crítica é natural, nada contra. O problema é servir propositalmente a uma causa. E mais problema ainda é criticar uma obra que não o faça.
Assim, exigir de forma ativista, por exemplo, que uma obra tenha “cotas” raciais, sexuais ou sociais é tão patético quanto ser um contumaz conservador que prega fechamento de exposições, punição a artistas ou a simples e velha censura. Ambos igualmente erram, porque relegam à Arte um papel meramente social, o que não é verdade, pois ela não está (pelo menos, não deve estar) à serviço de nenhuma causa, embora possa ser usada como exemplo de uma, por sua existência naturalmente antropológica e sociológica.
Da mesma forma, criticar quem defende que tal trabalho artístico é ruim por não atender aos princípios estéticos que regem a Arte e somente à sociedade que se deseja é uma imbecilidade, pois querer que esta, sempre livre, esteja presa a valores humanos e não intrínsecos a si mesma, é ir contra a Natureza da própria manifestação artística.
Não importa se a obra se mostra nua, vestida, preta, branca, homossexual, homofóbica, de direita, de esquerda, se a obra é cômica (uma das maiores vítimas do patrulhamento), trágica ou de mero entretenimento (coisa que as pessoas parecem esquecer, que às vezes a Arte não tem fim nenhum, a não ser em ser lazer). Não é isso o que conta. O que conta é se tem qualidade ou não. Não são valores morais que regem a Arte. As leis podem julgar o Homem, não a Obra. E se alguém usa outros critérios que não a Estética para avaliar um livro, filme, quadro, dança ou qualquer outra exposição artística, deveria pelo menos aceitar a opinião de quem entende. Assim como um leigo não dá diagnósticos no lugar de um médico, nem defende causas num fórum como um advogado ou constrói edificações como um engenheiro.
Essa mania insuportável de problematizar tudo e encontrar um viés ideológico (ou exigir que haja um) em obras artísticas é fruto de elementos de uma sociedade podre, que só pensam nos próprios valores, sejam estes justos ou não. O melhor remédio para isso é o debate sob os princípios de Estética e nenhuma censura. E fazer do país uma nação com Educação o suficiente para que as obras sem valor naturalmente percam fãs, plateia, compradores, espectadores. Aí a Arte estará cumprindo o papel que lhe cabe: ter qualidade. O resto é, como dizem, de um lado ou do outro, “mimimi“.
24 de fevereiro de 2018
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