Obs. O autor, como bom brasileiro, não se isenta de estar incluído em algumas das constatações. Mas diferentemente da maioria de seus conterrâneos, assume seus erros.
Obs 2: Nem precisaria dizer, mas como no Brasil tudo tem de ser muito bem explicado, é claro que existem exceções individuais para o que vai ser lido. Você talvez seja uma delas, em algumas coisas.
– O brasileiro é provavelmente o único povo do planeta que fura fila, guarda lugar para os outros em locais com capacidade restrita, paga e recebe pequenos subornos, pratica ou colabora com a pirataria e tem a cara de pau de reclamar, a plenos pulmões, da corrupção da classe política. Ele paga para passar à frente em filas de espera, “molha” a mão de autoridades para escapar de multas ou conseguir outros benefícios, usa carteiras alheias para andar de ônibus, entrar em cinemas, clubes e festas e se orgulha do malfadado “jeitinho brasileiro”.
– O brasileiro teve a “criatividade” de justificar os erros apontados acima com uma Lei. A “Lei de Gérson” (para os mais novos, Gérson era um jogador de futebol da seleção de 1970 que aparecia numa propaganda de marca de cigarro – sim, era um atleta fumante assumido – há exatos 40 anos e finalizava com um olhar cínico, afirmando: “Gosto de levar vantagem em tudo, certo?”) Enfim, o brasileiro exige respeito para o que lhe convém. E desrespeita o que convém aos demais, se lhe trouxer vantagens. Ou covardemente se cala, se não lhe afeta. Portanto, ele defende a causa própria, e faz de seus interesses pessoais a única regra de sobrevivência. Abrir mão de alguma coisa pelo bem-estar da maioria, ainda que ele saiba que isso é o certo? Nem pensar.
– O brasileiro consegue fazer de um dos piores defeitos do ser humano, a impontualidade, algo “charmoso”. Noivas retardam a chegada para a cerimônia nupcial de propósito, pessoas se atrasam para eventos a fim de sua chegada ser vista; chega-se ao cúmulo de marcar-se uma reunião, por exemplo, “para as 8 horas, a fim de começar às 9”. Aí os brasileiros ficam chocados quando algum evento cumpre o horário e eles perdem o direito de entrar, ou são privados de seu início.
– O brasileiro é provavelmente um dos únicos povos do planeta para o qual o homem comum, se falar ou escrever certo, é motivo de piada ou desprezo, mas se o cidadão em questão for um político ou o seu patrão, o linguajar vira sinônimo de inteligência e razão para admiração, ainda que ninguém entenda o que ele diga. Ainda assim, é um dos raros habitantes do mundo que valorizam o senso comum e desprezam uma cultura de qualidade; muitos, por não conseguirem entender, desvalorizam a ciência da Estética e jogam toda a justificativa na vala comum e inverídica do “Gosto não se discute”. Para piorar, é incapaz de ver valor naquilo com que ele não concorda ou do que ele não gosta.
– O brasileiro é capaz de se lamentar da sua falta de dinheiro e de seriedade do país o ano inteiro, exceto no período momino, quando vários viram perdulários e depravados, sob a hipócrita justificativa de “É Carnaval”.
– O brasileiro torce por ideologias como por times de futebol. Não importa como, nem que seja com um gol de pênalti roubado aos 49 do segundo tempo quando o árbitro prometeu jogo até os 47, o importante é ganhar. Mas se o outro ganhar, ainda que honestamente, foi roubado, para ele. Não satisfeito, é capaz de distorcer fatos, omiti-los, negá-los cinicamente, só para embasar seus argumentos elitistas e preconceituosos. Como o torcedor que discute com a imagem ou que nega a proteção aos times grandes do Rio e de São Paulo. Assim, se aquele belo projeto veio do governo adversário, ele rejeita enquanto pode até ser feito, e se não pode evitá-lo, passa a reivindicar a autoria para o lado da ideologia em que ele acredita. Mas, se a ideia fracassar, empurra de volta a paternidade para o lado oposto.
– O brasileiro é provavelmente o único povo do planeta em que pobre vota em patrão, fala mal de burguês querendo ser um e só se realiza se virar rico, nem que para isso tenha de negar tudo o que for humanitário e correto. É subserviente aos poderosos e cruel com os iguais. É sua “vingança”.
– O brasileiro adora confundir o politicamente correto com a chatice. E, pior, estabelece regras próprias para tal. A grosso modo, um exemplo seria ele achar um absurdo piadas sobre negros, mas liberar sobre gays. Ou vice-versa. Ou qualquer outra minoria. Por outro lado, não consegue (desconfio que não quer) diferenciar o que é algo inocente de um ato que denigre a moral alheia. Ao mesmo tempo, é capaz de fazer piada sobre tragédias com a mesma velocidade com que as esquece. E ainda, incrivelmente, é conservador, preconceituoso, hipócrita e se proclama “defensor da moral e dos bons costumes”. Acha corretíssimo e não vê problema em aceitar o homossexual, por exemplo, “desde que eu ou meus filhos não vejam”. Ou seja, até ele próprio pode ser “imoral”, desde que por debaixo dos panos.
– O brasileiro é capaz de justificar qualquer coisa indigna ou pouco inteligente em nome do lucro, do Ibope ou da “facilidade”. Inclusive, a mídia se aproveita do fato de que o brasileiro usa a desgraça alheia para amenizar a própria. O sucesso de programas “policiais” são prova disso.
– O brasileiro aceita um Estado laico, desde que se mantenham os padrões moralistas da religião em que ele acredita. Também é capaz de sair de uma igreja, templo, encontro de qualquer fé e negar ajuda a quem precisa e sua consciência não doer. Pior… Ele se diz, em sua maioria, cristão, mas ao contrário de Cristo, cria escalas de valores de vida: “Esse merece morrer”, “Esse não é humano”, “Bandido bom é bandido morto”, apoiando, assim, execuções sumárias, pena de morte, abortos sem causa legítima (porque há casos que o são) e defende até a morte (do próximo, aquele a quem Cristo determinou que se amasse como a si mesmo) o direito de ser um justiceiro.
– O brasileiro acha que toda sua imagem negativa no cenário internacional é perdoada por seu notável (e verdadeiro) senso de simpatia e hospitalidade.
– O brasileiro é provavelmente o único povo do mundo que chama alguém de “doutor” por tradição ou submissão, e não por merecimento técnico. Por outro lado, não respeita quem o tem. Um professor, por exemplo, tem de dizer o que o brasileiro quer ouvir. Ao contrário, vira “doutrinação”. E vale tudo, até desvirtuar os fatos históricos. Negar a censura na época da ditadura, por exemplo, ou colocá-la como algo menor dentro de um suposto e absurdo “mal necessário”. Aliás, o brasileiro é fã de ridículos “males necessários”.
– O brasileiro aceita passivamente que os governos procurem resolver os problemas sem ir à raiz, mas às pontas da erva daninha. Por exemplo, ele acha ótimo ter um sistema de cotas ou um vestibular mais fácil, embora mais cansativo, em vez de se buscar se resolver o problema da Educação. Talvez porque no fundo ele resignada e erradamente se conforme com o fato de que a classe política do país não tem interesse em resolver essa questão. O mesmo vale para o Sistema de Saúde e o dilema da seca no Nordeste.
– O brasileiro é praticamente incapaz de resolver um problema com equilíbrio. Para ele, machismo se cura com feminismo, para se opor à direita reinante só com uma esquerda cubana, se alguém não for religioso é ateu, se não for farrista é antissocial. Terceira via? Equilíbrio? Nem pensar. Brasileiro gosta é de se opor a alguém, sempre. E se essa terceira via se criar, os dois antagônicos se unem para combatê-la.
E sabe o que é mais incrível e aparentemente paradoxal? Apesar de tudo isso, tenho orgulho de ser brasileiro. Mas que seria bom as pessoas percebessem tais erros e tentassem corrigir para que nosso país fosse ainda melhor, isso seria. Eu já tento corrigir os meus. E você?
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