Texto introdutório – Em primeiríssimo lugar, quero logo deixar claro que nem todo mundo de direita pensa com o cinismo que irei denunciar aqui. Há gente que defende seus ideais simplesmente por crer neles, sem discursos implícitos ou fanatismo. E apesar da discordância, merece todo o respeito de qualquer pessoa. Esta série de textos se direciona mais aos cínicos e àqueles que ainda não aprenderam a ver as reais intenções por trás das falas apenas aparentemente moralizadoras e equilibradas dos defensores do conservadorismo liberal e direitista.
A seguir, aos estranhos ou distantes, quero dizer que esta se trata de uma visão pessoal e não de uma verdade absoluta, mas na qual acredito concretamente. Portanto, aos que se ofenderem pela colocação das ideias, sugiro um bom remedinho, pois não perderei meu tempo discutindo. Recomendo que não se desgastem também.
Finalmente, aos amigos, saliento que o humor e a ironia são armas não-letais de quem escreve, e não visam ofensas pessoais ou mensagens diretas a qualquer pessoa. Se você se identificou de alguma forma, lamento, mas não faça disso uma hecatombe. Não deixe de ser meu amigo por conta disso. Tolero todos os dias as asneiras e radicalismos de alguns pensamentos despropositados e extremistas, é justo que me tolerem também.
Dividi o texto em dez tópicos separadamente, de forma bem didática, para que os preguiçosos não se queixem do tamanho excessivo do produto final. Poderão ler a conta-gotas.
1 – DISCURSO: A ESQUERDA ACABOU COM A ECONOMIA DO BRASIL
O que está por trás: Precisamos impedir que “eles retornem” ao poder algum dia.
A verdade: O Brasil passou toda sua existência na mão da direita, democrática (ruralistas, e ou bancadas congressistas de interesses particulares, partidos como o PSDB) ou extremista (colonialismo explorador, ditadura) e sempre teve problemas de ordem econômica. Também é verdade que foi um governo de direita (ou “liberal”, o que na verdade é a mesma coisa) que começou o processo de reversão desse quadro, com Fernando Henrique Cardoso – (processo finalizado no governo Lula, com bom êxito, quando se pagou a dívida do FMI, contraída por governos de DIREITA) mas colocar a culpa de toda a desgraça econômica de 500 anos na esquerda por causa dos desmandos dos petistas é, evidentemente, um artífice político, não histórico. Até porque nunca houve uma esquerda legítima no poder do Brasil. Só cegos não perceberiam que o PT fez péssimas alianças para chegar à presidência. E adotou uma política econômica neoliberal que afastou, inclusive, gente do próprio partido, que se manteve fiel aos ideais originais do grupo, e fundou outro, de oposição a seus ex-colegas. Então, entenda-se que quando eles falam em “esquerda”, não é nada do que realmente significa uma esquerda sem radicalismos, a não ser pela defesa do social.
2 – DISCURSO: A ESQUERDA QUER COLOCAR HITLER COMO SENDO DE DIREITA, MAS O PARTIDO DELE TINHA O NOME DE “SOCIALISTA”.
O que está por trás: Precisamos passar todos aqueles extremistas do nosso pensamento para o outro lado, custe o que custar.
A verdade: Não se conhece a linha política de um partido ou pessoa por seu nome, mas analisando suas ideias. Segregação racial a imigrantes, xenofobia e discurso de “defesa da economia mundial” são características de governos de direita. Se a questão é julgar nomes, quer contradição maior que as posturas elitistas de um partido com o nome de DEM (Democratas)? Ou o PSDB ter uma “Social”-Democracia em sua sigla? Enfim, a nova onda direitista é colocar todos os extremistas cruéis sem conotação econômica como de esquerda, numa tentativa explícita de fazer passar os economistas e filósofos de pensamento de direita por benfeitores da humanidade. Aliás, inversão de valores é uma das táticas favoritas das pessoas que defendem a direita ou suas ideias.
3 – DISCURSO: NÃO EXISTE LUTA DE CLASSES. QUEM DEFENDE ISSO É A ESQUERDA E SEU DISCURSO DE ÓDIO. NINGUÉM ALI QUER TRABALHAR. GREVES, MOVIMENTOS SOCIAIS, TODOS DEFENDEM A VAGABUNDAGEM.
O que está por trás: Precisamos fazer as pessoas sem muita cabeça acreditarem que é normal ser explorado, e que quem prega o contrário só quer uma confusão. Preguemos o ódio contra a esquerda, mas dizendo que eles é que tem tal prática.
A verdade: Desde a Antiguidade, em todas as civilizações, passando na Ocidental pela escravidão, pelo feudalismo, pela exploração marítima, pelas revoluções todas, pelas guerras mundiais e pelo capitalismo selvagem, SEMPRE houve luta de classes. Oprimidos x opressores. Não seria neste período em que o explorador reassume a forma de senhor feudal que a coisa seria diferente. A reação é natural, através de movimentos organizados (alguns para o mal, é verdade também) que lutam (uma minoria de forma absurdamente violenta, também é verdade) pelos direitos e pela redução das disparidades. Não querer greve, por exemplo, ou alegar que ela interfere em direitos é uma falácia. A greve é uma legítima luta pelos direitos. O que está em questão é que só os direitos dos que estão confortáveis com o quadro social é que parecem importar. E a tendência é exigir que a massa se conforme ou faça protestos silenciosos e que não interfira com a boa vida dos que estão refestelados em suas vidas elitistas. Desde que haja o mínimo de prestação em serviços essenciais, a greve é uma forma de barganhar com os patrões que não dão direitos espontaneamente, apenas porque não querem, e não porque não podem, como alegam, muitas vezes.
4 – DISCURSO: OS VALORES SE DETURPARAM COM O GOVERNO DE ESQUERDA
O que está por trás: O mundo está mudando e em países conservadores como o nosso é bem fácil convencer as pessoas com tal pensamento de que a culpa das mudanças é de um ideal político também novo no país. Vamos nos aproveitar disso.
A verdade: A humanidade muda. Se isso é uma evolução ou não, é uma outra discussão. Mas a modificação de comportamento e de valores é um fenômeno histórico da sociedade como um todo, não do desejo de pequenos grupos, embora muitas vezes a tomada de consciência coletiva para as mudanças parta deles. Se você hoje anda nos mesmos locais que o sexo oposto, veste roupas menos formais mesmo em ambientes fora do trabalho, estuda(ou) em colégios mistos, anda em coletivos com gente de toda cor, assiste celebrações religiosas sem o guia estar de costas para você, ou até mesmo está lendo este texto sendo do sexo feminino, saiba que foi beneficiado por mudanças da sociedade, pois em alguma época no passado, nada disso era permitido. Não se trata de um desejo da direita ou da esquerda. É o curso natural da humanidade. Além do mais, a maior parte das ideias conservadoras (não sua totalidade, diga-se) é defensora de princípios que ajudam a manter o status quo das elites e dificultam a revolta e consequente questionamento dos explorados.
5 – DISCURSO: VIVEMOS UM CAOS SOCIAL NA SEGURANÇA POR CONTA DA ESQUERDA. E AINDA HÁ OS DIREITOS HUMANOS, QUE SÓ SERVEM PARA DEFENDER OS CRIMINOSOS.
O que está por trás: Vamos aumentar a divulgação da violência que já existia antes, aproveitando o mundo virtual e o maior acesso de informações, para instaurar o pânico e nos apresentarmos como solução para o problema supostamente criado pelos que pensam diferente de nós.
A verdade: Assim como as mudanças positivas da modernidade não são mérito da direita ou da esquerda, as negativas também não o são. O mundo mudou também no que diz respeito à criminalidade, mais vista, divulgada, sofisticada e presente exatamente porque a disparidade social está cada vez maior, aumentando o número de pessoas que poderiam ser de bem, mas optam pela vida de crimes para sobreviver. Por outro lado, os radicalismos de parte a parte (sim, eles existem nos dois lados) geram uma sociedade egoísta, agressiva e que deseja se impor pela força. Observe que boa parte (não todos, antes que alguém pule da cadeira) dos crimes mais revoltantes, dignos de pena máxima, são cometidos por pessoas de classe média ou alta que, em teoria, não precisariam fazer isso. As agressões gratuitas a mendigos ou as confusões entre torcidas organizadas são bons exemplos. Mas a necessidade de autoafirmar-se como classe é maior. Por outro lado, os Direitos Humanos cometem falhas, sim, ao tentar justificar praticamente todo e qualquer crime pelo prisma do viés econômico ou social, o que é um absurdo. Esses casos devem ser vistos e analisados, e não generalizados. Nem os Direitos Humanos podem defender todos os delinquentes, nem devem ser considerados como um mal para a sociedade, ansiosa por se tornar ridiculamente justiceira e legisladora.
6 – DISCURSO: NA ESQUERDA SÓ HÁ VAGABUNDOS QUE QUEREM SER SUSTENTADOS PELO GOVERNO
O que está por trás: Precisamos garantir que sejamos os únicos a ter acesso à máquina governamental em benefício próprio. Depois que os retirarmos de lá, faremos a mesma coisa e colocaremos a culpa nos desmandos do governo anterior.
A verdade: O Estado não tem obrigação de sustentar ninguém. Isso é uma verdade inquestionável. Mas é claro também que quem detém o poder não quer perdê-lo. Porque o poder gera frutos, benesses, facilidade de decisões para os próprios interesses. Porém, o Estado não pode se isentar das falhas que comete na distribuição de renda, vez e voz. O equilíbrio entre administrador e servidor é o ideal de um Estado que represente a todos. Qualquer coisa fora disso é uma defesa de interesses de um lado ou de outro. Ou seja, há e haverá sempre vagabundos querendo ser sustentados, qualquer que seja a linha política. A diferença do tipo de governo não está nessa questão. Mas no que se faz pelo povo enquanto se está no poder. E o pior é ter consciência disso, não fazer nada para mudar e dizer que não há tempo para “reverter os absurdos da gestão anterior”, quando eles estão praticando os mesmos e alguns até maiores.
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7 – DISCURSO: A ECONOMIA É O MAIS IMPORTANTE PARA O PAÍS; SEM ECONOMIA ESTÁVEL, NÃO HÁ COMO AJUDAR A POBREZA.
O que está por trás: Precisamos manter o povo trabalhando sem benefício algum para si, só para os patrões, sem questionar. Para tanto, vamos enrolando, dizendo que quando o país crescer, todos crescem. Mas nunca o crescimento será o suficiente para diminuirmos o desequilíbrio. Sempre alegaremos uma “herança maldita”, que fará com que possamos lançar slogans como “Não reclame. Trabalhe”, a fim de manter a população ativa, explorada e silenciada.
A verdade: A coisa mais importante para um país, antes da escolha de modelos políticos e econômicos, é o caráter de quem o governa, independentemente de partido. Por essa razão governos de “esquerda” ou de direita fracassam. O modelo econômico a ser adotado é irrelevante, se o objetivo for o mesmo: enriquecer a si e aos seus e usar os demais como suporte para chegar aos objetivos traçados. Nenhum projeto econômico que não pretenda, a no máximo médio prazo, com data-limite, diminuir as disparidades sociais, servirá de coisa alguma. Vontade política de acabar com isso sem benefícios próprios para quem comanda, até hoje, não se viu plenamente neste país. Como já foi dito, nunca houve uma esquerda de verdade no poder do Brasil.
8 – DISCURSO: PROJETOS SOCIAIS SÃO NOCIVOS. NÃO DÊ PEIXES AO POBRE. ENSINE-O A PESCAR. VALORIZEMOS A MERITOCRACIA.
O que está por trás: Precisamos fazer o povo acreditar que ele não precisa de ajuda e que ser de mão de obra barata é algo positivo, pois, pelo menos, ele estará vivo… e trabalhando.
A verdade: O discurso pode até parecer cheio de boas intenções… É verdade que deixar alguém dependente de um “bolsa-qualquer-coisa” é um erro, especialmente por ela poder ser utilizada como correia eleitoral. Também é bom dar autonomia ao cidadão e deixar que seus esforços o recompensem naturalmente. Mas o fato é que no real pensamento de direita a meritocracia é privilégio de quem já tem algo por onde começar ou de um fenômeno isolado (normalmente o pai ou mãe que, honestamente, subiu na vida, vindo de origem bem humilde), o que não é, de forma alguma, uma regra. Aliás, é uma exceção que confirma a regra de que a esmagadora maioria não vence na vida. Não porque não queira, mas porque o regime de exploração em que vivemos não permite ao pobre partir em condições iguais com os demais, para ter méritos reconhecidos. A meritocracia SÓ EXISTE se todos partirem de condições IDÊNTICAS. Aí os melhores se destacam, sobressaem e merecem as glórias de mais posses e conforto (desde que não esqueçam quem foram e não passem a pensar como exploradores, também). O objetivo verdadeiro aqui é fazer o trabalhador se matar de trabalhar, ou de buscar por emprego, sem sair do lugar, e colocar sempre no “esforço insuficiente” deste a culpa pelo fracasso econômico. Assim, o status quo se mantém e o poderoso ainda pode posar de caridoso, dando esmolas, promovendo eventos beneficentes e arrotando uma cristandade que, de fato, não possui. Não basta ensinar o pobre a pescar. Devem ser dadas condições iguais para todos: a mesma vara, o mesmo rio, a mesma isca, o mesmo poder de barganha no mercado. Do contrário, é tudo um discurso vazio, populista e oportunista.
9 – DISCURSO: COMUNISMO, SOCIALISMO, ANARQUISMO, É TUDO A MESMA COISA. TODOS UMA BADERNA. NÃO HÁ CHANCE DE EXISTIR UMA TERCEIRA VIA.
O que está por trás: Precisamos disseminar a mentira radical de que “Se é de esquerda, é ruim” e eliminar qualquer chance de outro pensamento, mesmo antagônico aos dois lados, surgir.
A verdade: Nenhum governo, política e economicamente falando, é perfeito. Alguns dos países mais ricos do mundo são capitalistas, mas também são dos mais exploradores. Outros exploram menos, mas não são ricos. Outros ainda são intermediários, mas ditaduras. Já os ditos comunistas são ditaduras, ou repúblicas socialistas sem sucesso financeiro, não só por dificuldades próprias à ideologia falha, mas por serem boicotados pelos dominantes em número e poder financeiro do mundo capitalista. Todos apresentam erros por uma razão simples: os de direita só pensam em ganhar mais dinheiro e os ditos de esquerda em tomar o dinheiro dos de direita. O lado socialista, porém, têm a pequena vantagem (e não são todos) de, às vezes, tentar diminuir a disparidade social. O problema é que isso não é regulado por ideais, mas pelo Estado. E lá se vai a liberdade de escolhas ou a autonomia para tomar outra decisão em sua vida, como optar por uma outra forma de governo, por exemplo. Mas a direita ainda comete o crime de colocar todo mundo no mesmo saco, generalizar e ainda dizer que não há outra alternativa possível, o que é uma deslavada e deliberada mentira. Um governo com economia capitalista e pensamento social socialista é ideal, mas rejeitado por ambas as partes. Incompatibilidade? Não. Hipocrisia, mesmo. Ninguém quer perder nada em prol da maioria. Ninguém quer sacrificar do seu para deixar todos com o mínimo aceitável de condição de vida digna por igual. Às vezes acho que uma sociedade primitiva, ou alternativa, como diria o velho Raul Seixas, seria a perfeita. E seria. Pena ser inviável, pelo caráter egoísta do ser humano. Mas um meio termo é possível. Duro é quem está em algum dos lados do poder aceitar.
10 – DISCURSO: A BANDEIRA BRASILEIRA JAMAIS SERÁ VERMELHA.
O que está por trás: Utilizemos a cor predominante da ideologia de esquerda para criar um pânico no inconsciente coletivo e um falso espírito patriótico que nos transforme em salvadores da pátria.
A verdade: Deixei o tópico mais risível a absurdo para o fim, com o objetivo de tentarmos rir um pouco desse seríssimo problema que é o (re)crescimento (sic) avassalador da direita no Brasil, mesmo que no derradeiro tópico. Uma cor não representa uma ideia. Se assim fosse, não haveria vermelho nas bandeiras americana, britânica, francesa, alemã, japonesa e outras de países capitalistas. E há países comunistas como Cuba, por exemplo, onde o vermelho não predomina. Essa tentativa de associar os movimentos conservadores e direitistas a um patriotismo chega a ser irritante, porque esses movimentos trazem em seu bojo ideais altamente individualistas, e nada patrióticos, posto que só querem ficar bem e o povo que se lixe e continue a depender deles.
Adeus 1: Cuidado. Se você leu tudo até aqui e compartilhou com alguém, seus amigos de direita dirão que estou invertendo a verdade (ou seja, que estaria fazendo a tática que lhes é comum, inclusive essa declaração deles é um exemplo).
Adeus 2: Obrigado por ter lido todos os tópicos, ou ao menos um que te interessou. E lembre-se: não vou discutir. Abraços.
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