EU, O CHATO (parte 1)

 

Considero-me numa idade e vivência, principalmente, em que não tenho mais paciência para certas coisas. Entendam, não se trata de intolerância; é falta de paciência. E explico a diferença “sutil”. A falta de paciência faz com que eu me aborreça, facilmente. A de tolerância me faria explodir. É bem provável que aquilo me cause ainda mais mal, pois os engasgados se tornam entalados e a sensação de sufocação, administrável, deve fazer um enorme mal ao coração.

 

EU, O CHATO (parte 2)

 

Observem como a análise a seguir provavelmente será bombardeada por várias pessoas, só porque o óbvio não serve como argumento, por basear-se num “SE” não hipotético, mas apenas abstrato, por o fato em questão não ter acontecido em plano real (e dificilmente poder acontecer):

 

Pela segunda noite seguida, na praça vizinha a minha casa, ocorrem festividades juninas. OK, a praça é pública, as festas populares têm de ser valorizadas. Mas o som tonitruante das bandas de forró, fossem antigos ou modernos, a voz metálica e irritante dos apresentadores e humoristas (??), os gritos de fãs histéricas e dos bêbados que passavam pelas ruas contando suas vantagens sexuais ou alcóolicas e o ribombar dos “paredões” que passavam em disparada pela rua adentraram por minhas portas e janelas (as quais não podem ser fechadas, sob risco de eu morrer tostado em plena madrugada) das 19 até quase 1h. Qualquer medidor de decibéis deficiente apontaria um abuso por parte do evento, promovido, diga-se, numa ação conjunta entre Prefeitura e Governo do Estado. É a poluição sonora institucionalizada. E olhe que foram duas noites durante a semana. Esperemos as de hoje e amanhã, quando se tem mais “tranquilidade” para festas, por o dia seguinte estar no fim de semana… Valei-me, três horas da matina…

 

E lá vem o SE gerador da discórdia: eu tenho ABSOLUTA CERTEZA de que SE fosse um evento de rock, depois de uma hora ou uma hora e meia de show alguém já teria aberto uma denúncia no “Disque-silêncio” ou na polícia, que já teria vindo acabar com a “algazarra”, dispersado os “maconheiros perturbadores da ordem”. Provavelmente, pelo menos, viria aqui uma reportagem de algum desses canais contra um governo ou outro para fazer uma reportagem a fim de denunciar “o abuso promovido por uma juventude perdida, sem educação e sem Deus”. Mas como é festa junina… Viva São João!!!

 

EU, O CHATO (parte 3)

 

Não tenho mais paciência para discutir com pessoas que acham que se você é contra o fulano de tal, automaticamente é porque é a favor de beltrano. Ou que se você repudia o pensamento x, trata-se de um “maldito defensor de y”. A obviedade de certos princípios humanitários desprezados por determinadas linhas de pensamento, partidos e pessoas políticas é tão grande, que me é inadmissível tentar dizer, por exemplo, “Olha o Bolsonaro é um péssimo exemplo de radicalismo para o Brasil” e ter de ouvir algo como “Defensor do PT, do Jean Willys, da Maria do Rosário…” ou coisa que o valha. Ou criticar a exploração capitalista e ser chamado de comunista. Não dá pra debater mais sobre ser contrário a muitas coisas erradas, se o povo só enxerga dois lados: “ou está comigo ou com meu inimigo”. É muita vontade de defender o indefensável querendo achar os defeitos do lado diametralmente oposto. Parece que não existe uma terceira ou quarta, quinta maneira de pensar…

 

EU, O CHATO (parte 4)

 

Às vezes cansa ser julgado incorretamente e continuar contemporizando, argumentando, se defendendo. A vontade que tenho, às vezes, é de realmente tornar-me um misantropo, adotar a postura de ostra, mesmo, por mais que minhas pérolas sejam fajutas, e cair num ostracismo saudável e valioso. Se fosse possível e saudável me tornar um eremita urbano, creio que alguma vez já o teria feito. Infelizmente, ainda sou uma pessoa que gosta de gente. Trabalho com elas, convivo com elas. Mas ainda sou incapaz de compreender certos egoísmos, julgamentos ou atitudes. Talvez eu seja ainda adolescente demais, seja para o lado bom (atitude, espírito), seja para o ruim (ilusão).

 

EU, O CHATO (parte 5)

 

Vou morrer sem mudar minha ideia de que a mediocridade intelectual deve ser combatida a qualquer preço. Tentar assistir a uma filme em certas salas de cinema em Fortaleza é uma novela. Todos os horários acessíveis a quem não tem transporte ou quem quer simplesmente ter o direito de escolher a melhor opção são reservados para os asquerosos filmes dublados, sob o patético pretexto de que a população comum prefere não ter que se dividir entre a leitura e a imagem.

 

Resultado: ou você vai para as últimas sessões (quando há), ou adere à mediocridade do filme dublado (eu me recuso) ou… tenta achar uma outra sala de projeção, em outro lugar (na maioria das vezes, longe e bem mais cara). Então a solução é facilitar pra quem não aprendeu (na maioria das vezes, por pura preguiça) a fazer duas coisas ao mesmo tempo (ver e ler)? Não se pode investir para que as pessoas aprendam a fazer o certo?

 

É igual ao ENEM: a educação pública está ruim? Vamos fazer um vestibular que facilite para quem está nela, ao invés de consertá-la. Vamos criar vagas exclusivas para quem é um “coitado”, ao invés de fazê-lo deixar de ser um. Estou farto dessa mediocridade cultural, que serve de interesse aos governantes (de qualquer partido) ansiosos por se perpetuarem no poder às custas da ignorância alheia.

 

EU, O CHATO (parte 6)

 

Sabem de outra coisa que confirma minha chatice e a mediocridade cultural do povo? Se as pessoas não tivessem preguiça de ler e não ficassem debochando de quem gosta de escrever, com frases imbecis como “Grande demais” ou “Vou esperar virar filme”, eu poderia ter feito disso tudo um texto único, sobre a chatice. Mas correria o risco de não lerem sequer o primeiro parágrafo (se bem que, ainda assim, corro o risco). Povo acomodado.

 

 

EU, O CHATO (PARTE 7)

 

Todas as partes anteriores reiteram o que realmente sou: um chato sem galochas (mas se morasse num lugar menos quente que essa desgraçadamente ensolarada cidade, seria “de galochas”, prazerosamente).

 

05 de maio de 2018

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