Daqui a exatos 386 dias estarei completando meio século de vida, se nada der errado. E vou ficando cada vez mais consciente das coisas que sou, que faço: de bom, de ruim, de certo, de errado. Parece estranho que isso seja um processo tão lento. Quando somos jovens, temos a impressão de que já fazemos o que tem de ser feito, e que nada muda em nossas cabeças. De certa forma, não há erro nesse pensamento. Cada atitude feita, não-feita ou arrependida por tomá-la ou não é um passo para a construção de uma personalidade ilusoriamente definitiva.
Deixando as obviedades típicas de livros de autoajuda de lado, vamos ao que interessa. A princípio, o título deste texto faz referência a dois de meus Top 5 de personagens de HQ: Monstro do Pântano (DC) e Cavaleiro da Lua (Marvel). Os demais, que também poderiam fazer parte deste relato, são Sandman (Vertigo), Motoqueiro Fantasma (Marvel) e Noturno (Marvel). Os que motivam a quase crônica que você está lendo são dois personagens que possuem em comum a solidão de suas atitudes (embora o Cavaleiro tenha feito, esporadicamente, parte de equipes como os Vingadores) e uma grande confusão mental, por conta das experiências de quase-morte e revitalidade a partir do sacrifício da lucidez cotidiana.
Eis que chego perto dos 49 anos com a tranquilidade angustiante de quem sabe que esse é meu destino e personalidade: não sou afeito a ceder em nada do que sou. A idade trouxe comigo, além das mazelas naturais, uma impertinência orgulhosa e segura, embora não me sinta melhor que ninguém por isso.
Orgulhosa, porque gosto realmente do que sou. Gosto de ser um esquisito, com preferências raras, diferentes e que causam um certo ar de deboche alheio, ao que retorno com o mesmo olhar e pensar crítico (isso quando não respondo, textualmente, mesmo, pois adoro ser polêmico). Sou um ser antissocial, apesar de não ser um completo antipático. Não sou um recluso total (ainda), mas faço questão de ter meu espaço. Talvez por isso meus três casamentos tenham sido fracassados. Contudo, apesar disso, amo ser apaixonado por meus filhos, únicos seres a quem devo minha existência. Amo os amigos, raros, mas fiéis. Amo a profissão e as amizades de colegas e alunos feitas por conta dela.
Segura, porque assim me mantenho afastado daqueles que querem me adaptar, me transformar, me fazer comum. Tenho absoluto orgulho em ser diferente de qualquer paradigma e de quebrar expectativas, sobretudo julgamentos pré-concebidos. Adoro ser visto como um zé-ninguém ou um tresloucado e as pessoas perceberem que, assim como os heróis fantasiados, sem minha aparência estranha, sou alguém simples e, ao mesmo tempo, especial (pelo que me dizem).
Mas não sou um “queridinho” de ninguém, nem faço questão de ser. Tal qual o Monstro dos quadrinhos, inspiro mais medo que confiança, e isso me rende uma solidão já quase conformada e certa. Pois não quero mais morar com ninguém, embora sinta falta de um amor. Ou de carinho, mesmo, sei lá, talvez Freud explique. Não tenho paciência para gente muito diferente de mim, a paixão que irrompe como furacão também some rápido, se não houver identificação PLENA (pois até para a paixão a mínima atração física ou intelectual é necessária, já para o amor… não basta). E tome afogamento no pântano de novo. Pois identificação, hoje, é gênero raro e de primeira necessidade, para quem já conheceu de tudo um pouco e, machadianamente, não se espanta mais com nada.
A solidão é razoavelmente sanada por livros, filmes, música. Porém, há os dias em que aperta. E dói. Então, a porcaria do travesseiro é a única coisa que me retribui o aconchego. Dane-se. É o preço que se paga por ser autêntico. Antes um homem culto e solitário a ser um adaptado que está com alguém apenas para não ficar só. Afinal, o ideal de ter um namoro sério sem casamento é quase um Graal (referência a outro clássico dos quadrinhos que adoro, “Camelot 3000”, da DC).
Essa confusão entre querer e não querer, entre sofrer por solidão e ser feliz com ela, traz à tona o Cavaleiro da Lua: três personalidades paranoicas, heroicas e conflitantes. Ali, sou carinhoso; aqui, grosseiro; acolá, desesperadamente (para os outros) neutro. Mas todas são autênticas. Vá se entender… Às vezes nem eu consigo. Porém, asseguro que são.
Assim, acostumei-me a aceitar que sou:
– Monstro, por não ser comum e não ser a pessoa tão maravilhosa que alguns acham que sou.
– Habitante frequente do pântano, pois minhas crises de solidão e carência às vezes me arrastam para lá.
– Cavaleiro, por lutar pela vida, pela sobrevivência, pelos ideais em que creio, pela réstia de esperança de ser amado exatamente como sou, sem precisar de adaptações.
– Lunar, pois é a noite que me faz bem, que me deixa confiante, triste e realizado simultaneamente, que me dá energia; ODEIO sol.
E nessa mistura de Cavaleiro do Pântano e Monstro da Lua, vou vivendo… e sendo, estranhamente, feliz.
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