Queria entender a mente das pessoas que frequentam as centenas de festividades carnavalescas de nosso país. Sim, centenas. Porque antes eram apenas os 4 ou 5 dias de Carnaval (exceção feita a Salvador, que tem praticamente um mês – Senhor! – dedicado a esse estrupício de festa). Agora temos micaretas em qualquer período do ano, por serem os tais “carnavais fora de época” e ainda os pré-carnavais, que antes eram em um ou dois fins de semana antes da festividade, e agora se estendem ad infinitum pelos meses anteriores ao evento.

Eu nem vou falar da questão musical, absolutamente pobre e com ritmos e letras (?) feitas unicamente para o esbalde, posto que é exatamente para isso que a festa é feita, afinal, Carnaval é a festa da carne. E como a carne é fraca, já dizia o ditado, a música, por consequência, também o será. Se bem que a coisa tem piorado. As festas de pré-carnaval, mormente e a priori caracterizadas por serem dedicadas às marchinhas antigas que, se não agradam, pelo menos não ofendem os ouvidos, agora são marcadas pelas músicas do próprio carnaval ou versões “animadas” de “sucessos” de outros estilos igualmente torpes, como sertanejo, funk e pagode. Uma tortura sonora para ouvidos de bom gosto.

Porém, a intenção aqui não é falar de música, até porque o princípio básico dessas festas é não ter o raciocínio no lugar, é deixar o corpo e o copo trabalharem mais que o cérebro. Então, vá lá, aproveitem.

O que me intriga é um pouco mais filosófico. Eu observo muitos dos colegas e amigos que frequentam essas festas. Estão o ano inteiro reclamando da vida, seja pessoal, profissional, política. E, como num passe de mágica, essas festinhas viram uma inesgotável fonte de redenção de todos os problemas. Eu não sei se é porque não consigo fingir alegria quando estou mal ou se é porque não é esse tipo de folia que me alivia, mas simplesmente não vejo sentido na “transformação”.

Acho até que Marx só disse que a religião era o ópio do povo porque viveu na Rússia. Se fosse aqui, com certeza teria outra opinião: seriam essas festas carnavalescas de qualquer época. São muito mais alienantes, enganadoras, falaciosas que a própria religião (e olha que a religião é bastante, também). É uma alegria irritante, porque falsa. Não no sentido da maldade de alguém querer ser falso. Mas porque essas pessoas não demonstram em seu dia a dia motivos para estarem assim! Se é válvula de escape o que procuram, deveriam tentar algo menos fantasioso, menos patético, mais útil, enfim. Um livro, um cinema, uma coisa mais construtiva e menos ofuscante do mundo como ele é.

Espairecer é uma coisa. Camuflar a realidade é outra. Tudo é um disfarce, a partir do uso de fantasias. Tudo é uma imensa mentira, não maléfica, porque o princípio inicial parece ser mentir para si mesmo. Forçar uma alegria inexistente é algo lamentável a que nosso povo, histórica e histericamente, está acostumado. Antes, eu me lembro de ouvir os mais velhos dizendo que eram 5 dias de gozo para esquecer os problemas. Nunca concordei muito, mas… entendi. Hoje, porém, são 40, 50 dias, juntando todas as festas. E pior: não só cada vez mais espalhafatosas, mas também, principalmente, injustificáveis.

Sei que parecerá egoísta, mas essa alegria forjada é um acinte, para mim. Ofende-me. É como se tudo fosse lindo e maravilhoso e só eu tivesse problemas. Obviamente, minha queixa é estúpida, pois não tenho nada a ver com a forma que cada um lida com seus problemas e suas formas de saná-los. Todavia, o problema é que me incomoda. Não a alegria verdadeira, mas a que sei não ser verdade. Não a música (quando não é tocada embaixo de minha janela), mas a propagação maciça de uma cultura que não ajuda em nada a evoluir o povo. Não a festa em si, mas a glorificação dela como sendo um momento a se esperar o ano inteiro (ou a cada fim de semana, como é entre janeiro e março). Se ao menos mantivessem esse clima festivo e de felicidade o ano inteiro!! Porém, basta passar a festa para as agruras do cotidiano deixarem essas mesmas pessoas apreensivas e angustiadas novamente. Então, para quê????

Eu vou encerrar esta crônica com a certeza de que não terei leitores favoráveis a mim. Entretanto, não espero aceitação sempre. Reconheço minha casmurrice. E continuarei me consolando com livros, filmes e música que me deem menos sorrisos, mas igual conforto na alma. Cada um na sua, como se diz. Contudo, nada mais apropriado para tranquilizar minha sensação de desalento por não ver sentido numa alegria fabricada que relembrar o poema “Mal secreto”, de Raimundo Correia, um parnasiano que ainda produziu bons textos:

Se a cólera que espuma, a dor que mora
N’alma, e destrói cada ilusão que nasce
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;

Se se pudesse, o espírito que chora,
Ver através da máscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!

Quanta gente que ri, talvez, consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo
Como invisível chaga cancerosa!

Quanta gente que ri, talvez existe,
Cuja ventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa!

É isso. Nem inveja tenho, nem piedade. Mas que o poema ajuda a entender essa alegria absurda de vocês, ajuda. Sejam felizes. De verdade.

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