Eu me lembro de quando eu ficava perfilado com os colegas numa quadra sem cobertura para cantar o Hino Nacional nas tardes de quarta-feira (salvo engano) do Ginásio Santo Tomás de Aquino, em plenas 13h. Eu estava entre os 10 e 13 anos, acho que uns 12. Sempre gostava de entoar o “Ouviram do Ipiranga…”, apesar de gordos sofrerem sob o tórrido sol fortalezense.
Uma vez, porém, eu me senti tão mal que relaxei o corpo, passei a mão na testa suada e soltei um suspiro, enquanto procurava a amurada baixa da quadra para me sentar. Grande erro. Nosso diretor, Moura, um baixinho entroncado, com óculos grossos e voz firme, me interpelou: “O que foi, senhor Roderic? Porque saiu da fila?”. Enquanto tentava me explicar, ele nem titubeou, mandou-me para a coordenação. Lá, feliz porque estava sob o ventilador, mas temeroso pela decisão superior, ouvi o veredito. Eu deveria cantar o Hino novamente, ali mesmo, na posição correta, para só então voltar às aulas. Envergonhado (embora refrescado), obedeci e voltei para a classe pensando se e por que eu estaria errado.
Bem, obviamente os tempos mudaram. O fim da Ditadura e de seus ditames cívicos, ao lado da tecnologia crescente, trouxeram um certo relaxamento: no Ensino Médio e nos primeiros anos como professor eu testemunhei a execução ainda semanal do hino, mas pelo serviço de som, sem quadras escaldantes.
Porém, também veio um certo desleixo das pessoas em relação ao espírito pátrio. Uma rejeição natural ao período antecessor, talvez. Uma certeza de que entoar o Hino em um regime ditatorial não era motivo de orgulho algum e de que nosso patriotismo musical se limitava às conquistas esportivas (Seleção, Senna, Guga e um ou outro atleta olímpico). Em alguns casos, nem isso: os torcedores de vários times (inclusive os do clube para o qual torço, para meu desgosto) sobrepujam o Hino nacional com cantos de torcida e vários impropérios. Os motivos são vários: espírito separatista, clubismo exacerbado ou falta de formação familiar e cívica, mesmo. E olhe que muitos foram “educados” naqueles anos sombrios…
Essa atitude de meus compatriotas e/ou contemporâneos me envergonha, especialmente quando me lembro de meu pai, um austro-húngaro naturalizado brasileiro, que amava tanto o nosso país que ficava de pé e cantava alto o Hino quando era executado na TV, em qualquer cerimônia, de jogos da seleção a eventos cívicos. Não havia razão para isso. Ninguém estava vendo, ele nem “brasileiro legítimo” era, estava relaxado, de pijamas, no reduto do lar. Ledo engano. Eu via. E o seguia no gesto. Até hoje. Aprendi a amar o país mais em casa que na escola.
Apesar disso, engana-se quem acha que vou me manifestar contra a decisão del Ministro da la Educación Brasileña de fazer nosso canto patriótico ser entoado nas escolas. Sou favorável. A questão não é fazer tal ato. É COMO e com QUAL INTENÇÃO.
Fico imaginando como seria excelente resgatar o amor por este nosso símbolo pátrio desde as mais rudimentares convivências escolares: na Educação Infantil e nos anos Iniciais do Ensino Fundamental, o lúdico: divertir-se com as cores, a música, as bandeirinhas. Fazer paradas dentro da escola, sob os aplausos dos mais velhos… No Fundamental II, uma análise da Língua Portuguesa, do vocabulário, das ordens invertidas das frases, dos componentes musicais, das origens das estrelas, escolha de cores, lema, as mudanças na história… E, no Médio, o espírito crítico: amar a pátria sem ufanismo, com visão equilibrada, porém respeitosa. Analisar obras como as de Gonçalves Dias, Olavo Bilac, Lima Barreto, Mário de Andrade e contrastá-las com a realidade… Ver o patriotismo nas formas mais puras e também mais agudas. Vejam que lindo seria.
Todavia… não é o que se prega, pelo desejo do atual governo. O que se espera é a volta de um patriotismo cego, na base do “Brasil, ame-o ou deixe-o” (atualizado e mais fanatizado para “O Brasil acima de todos, Deus acima de tudo”). Questionamento? Não. Criticidade? Nem pensar. E o problema é ESSE. É o resgate do espírito da Guerra Fria de “não somos comunistas” (também piorado para “Nossa bandeira não será vermelha” – como se alguém algum dia tivesse sugerido isso). É a tentativa de tirar o foco do verdadeiro problema da Educação, levantado por educadores hoje tragicamente demonizados, como Paulo Freire, que viram que não adianta ser alfabetizado sem ser questionador. É contra isso que se sobrepõe a atual proposta, não contra o descaso moderno já por mim mesmo citado.
Então, tudo não passa de uma gigantesca farsa. Tira-se o foco das questões educativas e foca-se apenas na rasteira visão de partidarismo – logo o atual governo, que prega a fajuta “Escola sem partido”. Está evidente que é sem partido, desde que seja o dos adversários que, por sinal, foram tão eficientes na formação do pensamento crítico, que permitiram ao próprio povo a quem ensinaram a questionar julgá-los corruptos e, portanto, incompetentes para continuar no governo. Isso não foi erro. Erro foi a escolha do substituto.
O retorno ao ufanismo saudosista e militarista traz em si uma série de complicadores, como o desejo pelo retorno das “aulas” de Moral e Cívica, verdadeiras lavagens cerebrais para manter os jovens calados e sem capacidade de contestação. E isso é outro grande problema. Nem vou entrar no mérito do pedido de gravação e envio das cenas de doutrinação ufanista para el Ministério, porque de tão patético e anticonstitucional que era, foi abortado pelos próprios idealizadores.
O que fica é a terrível sensação de que os mesmos idiotas que criticam ironicamente os defensores do desarmamento com frases imbecis como “quando o ladrão vier te roubar, dê flores ou um livro” são os que agora querem resolver os problemas da Educação com o Hino Nacional.
Sim, amigos. Nossa Educação NUNCA FOI doutrinadora. Salvo por um ou outro extremista – existentes, aliás, em ambos os lados -, a esmagadora maioria de professores mal tem condições de dar aula, quanto mais de “doutrinar” quem quer que seja, para o lado que seja. Nossos problemas REAIS são: condições precárias das escolas; desrespeito à classe de professores, por TODA a sociedade, dos pais e alunos até os empresários e governos; falta de cultura e de educação familiar. Resolver isso, sim, é muito mais urgente que cantar o Hino. Não que devamos deixar de valorizar esse ato cívico. Entretanto, apenas se este for consciente, crítico e, sobretudo, se não for usado como um anteparo para a implantação iminente de uma política de alienação que se propõe a manter o povo doméstico e sem condições de protesto: totalmente dominado, mas feliz por estar sabendo cantar o “Pátria amada, idolatrada…”
Salve, salve… esse país desses mal-intencionados, Senhor!
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