Tomar a decisão de morar só não é complicado. Muito ao contrário: ganha-se em liberdade, paz, expansão (sobretudo para “espaçosos” como eu). Família, filhos fazem falta, fato. Mas repito: a opção por morar só não é complicada.

 

Duro é SER sozinho. Nem todas as noites vamos deitar com a tranquilidade de quem não tem ou não quer ter nada declarar, a não ser para o próprio ego sonolento. Às vezes, dá saudade de um beijo de durma bem, de um cafuné, de um entrelaçado de pernas, dedos ou línguas…

 

A cama é deveras estreita para dividir vidas, porém larga demais para subtrair carências. Quando ela se torna gigante a ponto de acordarmos na outra ponta, pés aos travesseiros, é que algo não funcionou bem em nossa habitual e inabalável convicção em solteirice.

 

Não que uma ou outra noite de desejo reacenda a vontade de compartilhar um teto. Não, essa ilusão de felicidade logo se desfaz e o teto cai é sobre sua cabeça. Antes só, mesmo que bem acompanhado, quando o assunto é moradia. Por outro lado, uma estadia eventual até que cai bem melhor que o teto. Afinal, enquanto moradia vem de “morar”, fixar espaços, resistir, fincar bandeira, a estadia se liga ao verbo de ligação (ou não) estar, é de uma transitoriedade deliciosamente envolvente e passageira (não no sentido de fugaz, mas de estar de passagem mesmo – pode voltar sempre, desde que não permaneça mais que o necessário).

 

Entretanto, não há como negar que, por vezes, o corpo clama por conchego, carícias, conchinha… mas é só esporadicamente, mesmo… É que em tais momentos o cheiro da pessoa almejada faz falta, assim como o toque da pele macia, o roçar do meu lábio em seu seio, o ronronar descansado entre os braços da desejada, enquanto ela sussurra elogios estimulantes e lhe toca a intimidade.

 

Uma vez ou outra, acordar ao lado daquele ser lindo, descabelado, absolutamente desnudado em corpo, alma e maquiagem é revigorante. Sim, caros detratores e prezadas desdenhosas, é lenda que uma mulher ao natural não nos encante. O que destrói o sentimento não é o corpo desleixado, ou marcado pelo tempo, mal coberto por um trapo que deixa os seios ou uma nádega à mostra. É a rotina.

 

 

Bela é toda mulher em sua impura obra de arte nua. Os lençóis são cenário; as bordas da cama, moldura; o corpo, paisagem fresca que se esparrama como tinta fresca e vivaz de paixão na obra-prima sob um traço de um gênio: o Desejo liberto no leito.

 

E por que não me render a mais uma divisão de lar? Porque até os mestres, se admirados em demasia, diariamente, deixam de encantar e passam a se tornar corriqueiros ou monótonos. Ninguém vai ver um Van Gogh todos os dias no museu d’Orsay ou acorda todas as manhãs com alguém tão grandioso quanto uma Monalisa sem passar impune à fadiga da mesmice.

 

 

Mas hoje, hoje eu precisaria sentir a tinta apaixonada desses cabelos, como pincéis a me lambuzarem e inebriarem os sentidos. Perder-me-ia nessa diva com a cor do seu corpo amolecido de tanto prazer por mim inspirado em seu dilúvio deleitoso de dolosa indecorosidade.

 

 

Ajeito o travesseiro. Sinto-te o cheiro. Abraço o outro como se fosses tu, minha musa, entre minhas pernas. Foi só mais uma tentação de solidão. Boa noite, meu bem. Amanhã será mais um dia de doce solitude, à espera de tua vinda.

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