Apenas mais um exemplo de como este governo pernicioso tem causado um mal profundo à sociedade (muito maior que a corrupção maldita do nefasto PT, como sempre digo), brota em nossa sociedade um grupo de pessoas abomináveis que em estado de semente estiveram durante décadas, esperando apenas o adubo oportuno para germinar. E, claro, como fezes são um adubo natural vindo da mente e das declarações do presidente e seus asseclas, agora tais pessoas se sentem representadas e seguras para expor todo seu preconceito, ódio e violência.

Surpreende-me (mas nem tanto) o fato de que alguns destes apoiadores do ataque ao prédio da produtora dos humoristas do “Porta dos Fundos” sejam os mesmos que se compadeceram do atentado ao jornal também humorístico francês Charlie Hebdo. Uma hipocrisia sem tamanho, pois demonstra que “não se pode condenar um humor ocidental contra os muçulmanos, mas não mexam com nosso Cristo”. Como se não fossem ambos os atos criminosos frutos da mesma intolerância religiosa, do mesmo fanatismo, da mesma prepotência, do mesmo absurdo desejo de censura.

De antemão vou dizer aos sectários de plantão que não tenho o menor interesse em assistir à produção do grupo brasileiro. E que se o fizer, um dia, será apenas por crer, no meu trabalho enquanto escritor, que me sinta obrigado a estar antenado ao que acontece no mundo. Primeiro, porque pessoalmente não sou fã de comédias. Segundo, porque acho de fato desnecessário fazer sátiras que evoquem supostas ofensas aos fiéis de uma religião, especialmente num tema tão polêmico quanto sexualidade.

Todavia, reparem que utilizei o termo “desnecessário”. Como poderia ter utilizado “de mau gosto”, ou ainda, “infeliz”. Em momento algum desejo censura, represálias e, muito menos, ofensas e agressividade a seus autores, produtores e atores envolvidos. Como toda e qualquer produção cultural, esta não está imune às críticas, seja por fatores técnicos, artísticos ou mesmo ideológicos. Tais julgamentos são naturais dentro de uma sociedade supostamente democrática e tão multifacetada quanto a nossa.

O que irrita mais, nesse episódio, é a falta de entendimento das pessoas sobre duas coisas que, para aqueles que costumam acompanhar minhas crônicas, não são mais novidade. Primeiro: a insistência, através da truculência verbal ou física dos detratores, em negar que a Arte está, SIM, acima do Bem, do Mal, dos conceitos de Moral e Bons Princípios. Ela não deve nada a pensamento social, religioso ou político algum. E no tocante ao humorismo, então, nem se fala. O cômico é, muitas vezes, fruto de entendimentos debochados das nossas mazelas sociais, e mesmo do puritanismo. Se existem piadas simples, “de salão”, outras têm o objetivo realmente de cutucar, de questionar, de desconstruir, pela iconoclastia, imagens e pensamentos pretensamente “intocáveis”.

Desde os primórdios, o humor se propõe ao papel de provocar a reflexão através do riso, quebrando convenções sociais: foi assim com as sátiras greco-romanas, com as cantigas de maldizer, com Shakespeare e até mesmo com Machado de Assis e Nelson Rodrigues, para citar apenas dois brasileiros que abalaram as estruturas de instituições sagradas como a Igreja, o casamento e outras, através de suas críticas mordazes. Não tenho a ousadia de comparar o Porta dos Fundos a esses ícones literários, mas são apenas alguns exemplos de que a Arte não tem de se sujeitar a qualquer convenção social ou tabu. Ao contrário, parte dos consagrados gênios e períodos citados usou o riso como instrumento de desconstrução das convenções. Se tinham tais obras qualidade ou não, é uma discussão totalmente diferente. Porém, é claro que querer condenar tais produções artísticas hoje ao esquecimento ou à censura é um absurdo. E a sociedade brasileira parece disposta a se tornar uma espécie de “guardiã” daquilo que, a seu ver, limitado e hipócrita, lhe parece ser o “correto”.

A segunda atitude irritante é a forma como se propõe a “combater” aqueles que “se atrevem” a ir contra os ditames de uma sociedade doentiamente conservadora e reacionária: o confronto. Sempre defendi que não deve haver censura ao que quer que seja. Eu mesmo, que reconhecidamente tenho meus preconceitos contra determinados estilos musicais e literários, por exemplo, opto por não lhes dar cartaz, não lhes dar público. A melhor maneira de fazer algo detestável ou sem qualidade sucumbir é fazer com que tais produções caiam no ostracismo, antes que se possam a vir se consagrar, como os exemplos por mim citados no parágrafo anterior. É bem verdade que eu muitas vezes fracasso em meu intuito, pois várias dessas manifestações culturais de hoje são extremamente populares, tendo em vista o gosto superficial de nosso povo.

Porém, em nenhum momento me disponho a apoiar censura, encabeçar boicotes e, menos ainda, a propor agressão a seus autores. Como intelectual que me proponho a ser, posso dar minha opinião a respeito (e tenho direito a tal, todos têm), mas jamais entenderia que deixar de produzir algo ruim, ou impedir o público de vê-lo, matando “o mal pela raiz”, seja a solução. De forma alguma. Meu sonho é que as pessoas evoluam culturalmente a tal ponto que NATURALMENTE ignorem coisas “ruins” dentro da Arte. E que tal abandono cause o fenecimento daquelas produções supostamente desprezíveis e/ou ofensivas.

Infelizmente, a parcela gigantesca de conservadores e fanáticos religiosos, ideológicos e moralistas do país, movidos pela representatividade esdrúxula de seu líder político (este, sim, energúmeno), reproduz um discurso estúpido, anacrônico e desprovido de qualquer fundamento minimamente cultural, que conclama a nação a uma fiscalização inadmissível e nojenta sobre todo intelectual que produza algo fora dos padrões ideológicos e doutrinários que lhe configuram. Assim, produtores de reflexão tão díspares quanto Paulo Freire, Chico Buarque, Caetano Veloso, Fernanda Montenegro ou os atrevidos moleques da Porta dos Fundos, todos são postos à arena dos leões irracionais e violentos que hoje empestam o Brasil. No fundo, tudo um plano deliberadamente arquitetado para defender um futuro retorno à abjeta censura, que já conta com o apoio de milhões de plantas carnívoras germinadas no solo infértil de suas mentes retrógradas e preconceituosas.

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