Desde os primeiros ancestrais
Com suas vozes roucas, guturais,
Matando ou morrendo por comida
Contra dinossauros ou primatas
O homem luta e arrebata
À procura de melhor vida
Quando Demóstenes lutava contra a gagueira,
Com pedras em sua boca,
Mal sabia que no futuro
Nossa voz rouca
Teria de lutar contra a cegueira.
E quando o que mais falou
Pelo bem do povo humilhado
Massacrado
Desprezado
Minorado
Findou pregado em uma cruz,
Poucos ouviram o grande legado
Do amor do Pai, que foi Jesus.
Só gigantes captam vozes,
Ainda que distantes
Errantes
Angustiantes, a lamentar,
Mesmo que d’além-mar.
Castro sentiu a dor dos negros nos mastros
Alves captou o brandir dos chicotes nos ares
E transmitiu, do alto dos baianos palanques,
O desejo de que a escravidão fosse estanque.
Como o fez a voz cantada e anasalada de Zumbi
Que defendeu os que vinham pelos mares
Acorrentados até fugirem a Palmares.
E de lá chegou até aqui,
Na ciência musical de um Chico
O desejo de que o negro fosse um rico
E não mais o deboche do igualar-se a um mico
Assim como o fez Dragão do Mar,
Este sim, verdadeiro mito,
Navegante Negro a comandar
O grito de sua gente ao replicar:
Aqui eu não trafico.
Ouçam dos sertões da região de Canudos
A coragem de rebeldes sisudos
Que não aceitaram ficar mudos
Ou presos a dinheiro
Sob a voz tesa de Conselheiro,
Que só foi enfim calada
Com a cabeça decepada.
Vozes urradas
Queimadas
Projetadas
Das cinzas das 130 mulheres
De Nova Iorque
Que carregaram a reboque consigo
O grito de todos os desvalidos
Para além de seu jazigo
A voz da esperança
De um mártir, o Martin,
Que luta, Luther,
Sem fim, o King, em prol
De um reinado de igualdade
Entre raças
Massas enrijecidas
De couraças
Fundidas
Na coragem empedernida
Contra encapuzadas cruzadas racistas.
As vozes musicadas de crianças mudas, telepáticas
Numa Hiroshima de Morais, que deseja um nunca mais,
Em acordes de um João que imagina um mundo de paz,
Sem fronteiras, infernos ou fomes sintomáticas.
Vozes de liberdade a uma plebe rude, mas sem censura
– Única entidade que ninguém censura -,
Neste mundo de usura e falta de atitude,
Vozes cujo silêncio rompido de um Arnaldo Antunes
A ninguém deixa a omissão ficar impune.
Um tom de voz triunfante, jamais antes visto!
Hoje vozes-mulheres de Conceição Evaristo,
Que almejam um lugar sem mordaça.
Lugar de fala de Djamila Ribeiro,
Abrangente, acolhedor e verdadeiro.
Vozes universais que enfrentam a ameaça
De tempos de retrocesso e trapaça
Num Brasil que ora com vozes reaças
Que aplaude preconceitos de desgraça
E vocifera rancor e ódio de graça.
Mas enquanto houver vozes
Faladas
Escritas
Sussurradas
Ou gemidas
Em defesa da gente usurpada e oprimida
Este povo de luta armada, mas com palavras destemidas,
De língua afiada e incontida
Gritará a voz da igualdade reprimida
Até o dia da liberdade destemida!
- Poema feito para o lançamento de “Comunicações em Tempos de Crise”, da ex-aluna, amiga e companheira de luta Helena Martins.
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