Acordei sobressaltado com o despertador, debatendo braços e pernas e pulando da cama numa rapidez típica de quem precisa ir ao chuveiro e começar o dia. Levei alguns segundos para perceber que estava em quarentena e que, ainda que não estivesse, esse dia 19 de março é feriado local, dia de São José, padroeiro do estado do Ceará. Bem, é o momento certo para desativar o serviço de despertador.

Depois ri-me de minha kafkiana cena me debatendo na cama. Um Gregor Samsa obeso e latino. Sim, nessa situação de quarentena eu me sinto uma barata: sobrevivente, cascudo – pena que sem asas. Aliás, por falar em Kafka, toda essa “prisão domiciliar” me lembra “O processo”. Até agora muita gente ainda não entendeu a razão de estar recolhido em casa e, pior: a necessidade de estar.

Os vídeos e notícias passaram o dia dando conta de movimentação em praias, restaurantes, bares. Vejo tudo pelas redes sociais, depois de filtrar o que é falso e o que não é. Sim, porque uma coisa que NÃO VOU fazer, definitivamente, é ficar me torturando mentalmente na frente da TV, zapeando os canais a cada minuto em busca de notícias, matérias e pesquisas vindas de China, Cuba, França ou de onde quer que seja. Esse misto de desespero, esperança e morbidez de ver as desgraças pode ser diminuído com a filtragem do que nos mandam pelos grupos de whatsapp e nas publicações de Facebook. Aí é só checar aquilo que parece ser verídico e pronto. Tenho tempo e cérebro pra me dedicar a outras coisas, mormente culturais. Sugiro que façam o mesmo.

No início da noite, a principal notícia: o governador baixou decreto fechando todos os estabelecimentos, excetuando supermercados, farmácias, hospitais e serviços básicos de energia, água etc. Restaurantes, só para entrega. Em linhas gerais, foi isso. Uma decisão acertada e bem radical, inclusive com cancelamento de viagens intermunicipais e fechamento de fronteiras com estados vizinhos. E acho que talvez tenha sido o primeiro do país a tomar medidas tão duras e corretas. Tudo certinho, como deve ser feito – só falta uma redução nas tarifas de energia e água, que neste mês deverão estourar.

Da minha varanda ainda vejo bastante movimento de carros, especialmente durante o dia, mas com uma singular diferença: apesar do eterno calor escaldante de Fortahell, muitos andam com os vidros abaixados. As pessoas parecem lentamente estar se preparando para uma operação de guerra. Estão demorando a perceber tudo isso, mais ou menos como os personagens/depoentes de “Inferno”, de Max Hastings.

Espero, honestamente, que não percebam apenas tarde demais o quanto tudo isso é sério. A gente parece estar naqueles roteiros de filmes como “Epidemia” ou “Contágio”. Aliás, duas boas dicas cinematográficas para aqueles que não são impressionáveis ou não se incomodam de ver a ficção retratando (salvo alguns exageros) a realidade.

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