Considero-me uma pessoa com boa sanidade mental. Ótima, não, porque ninguém com consciência das coisas pode ser ótimo mentalmente vivendo num mundo estúpido como este, especialmente no Brasil. Ainda mais nos últimos dias. E não sou adepto da “mediocridade de ouro”, do Arcadismo. Prefiro sofrer por sabedoria que ser feliz na ignorância.
Uma das razões de minha boa (não era ótima?) sanidade é o fato de eu ser acostumado a viver sozinho. Foram 3 separações, sendo a última há 11 anos, perfazendo, no somatório dos livramentos, huuum, deixa eu ver… aproximados 18 anos de experiência em me virar com minhas próprias chatices. Pode parecer triste para a maioria das pessoas, mas isso te dá um certo know-how para ocasiões de reclusão forçada como esta.
Porém, mesmo pessoas com tal sanidade razoável (ops!) passam por certas situações estranhas, com o avançar dos dias. Porque a questão desta vez é que a gente não pode optar por sair, tomar um ar, ou simplesmente encontrar amigos num barzinho, ou ir a um show, um cinema (mesmo sozinho), ver gente, enfim. Agora é você, você e você, 24 horas. Um Randle Patrick McMurphy de si mesmo, ou seja, um estranho no próprio ninho (quem ainda desconhece, não deixe de ver a versão cinematográfica. Jack Nicholson dá um show).
Tal situação começa a te deixar constrangido e curioso com momentos de confusão nas datas, como já citei na crônica de… hã, espera… anteontem? Estão vendo? Não tenho mais certeza. Outro fenômeno perceptível é que os sons da casa parecem mais nítidos. Por exemplo, por morar ao lado de uma praça, há muitos pombos por aqui. E eles frequentemente me surpreendem com seu bater de asas num telhado próximo (moro no andar de cima de um sobrado) ou em minhas janelas. Isso quando não decidem arrulhar na hora do namoro. Aí vem uma inveja danada.
E esses arrulhos de amor columbino lembram outro acontecimento estranho. A exacerbação da ausência de companhia feminina. Não, não, não estou pensando em me casar outra vez. Como já disse, sou um homem são. Entretanto, nunca escondi de ninguém meu desejo de voltar a me relacionar seriamente com alguém inteligente e legal que, como eu, não queira mais coabitar. Namoro lá, namoro cá, cada uma na sua casa, que lindo! Só que uma coisa é você pensar nessa dificuldade de achar alguém com tais características enquanto vive uma rotina diária de trabalho, compromissos e tal. Mal dá tempo de sofrer de carência emocional, muito menos física. Outra bem diferente é este confinamento miserável, que já me fez até sonhar percorrendo com a boca o corpo de alguém desconhecida e inidentificável – lindo corpo, por sinal. Sonho sorrindo e acordo com uma tristeza informe a meu lado, na cama. Tomara que, ao menos, estas diacrônicas gerem alguma candidata, depois dessa confissão de personalidade quixotesca – risos.
Ainda estive às voltas com um invasor que decidiu fixar temporária moradia em minha casa: uma lagartixa, que me assustava cada vez que entrava na cozinha, pois eu julgava se tratar de um rato. Aí ela parava, olhava pra mim, como se estivesse a me tranquilizar, e corria para debaixo da geladeira. Nos primórdios, insultava-a pelos sustos e agradeci aos céus quando, há dois dias, ela desapareceu. Agora me pego preocupado se ela foi para algum local acolhedor e se encontrou companhia. Definitivamente, essa quarentena afeta até as sanidades mais regulares (hã… ótimas!).
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