Meu humor melhorou um pouco, às custas de doces registros mentais de um roteiro cinematográfico fictício que eu criaria. Seria um misto de “O estrangeiro”, de Albert Camus, com os fatos narrados na música de Gabriel, o Pensador “Tô Feliz, Matei o Presidente 2” (trocando o Temer pelo atual, lógico), com trilha sonora composta pela mesma, por Killing an Arab, do The Cure e Killing in the Name, do Rage Against the Machine (nada é mais adequado que o refrão dessa música, hoje), California Über Alles, do Dead Kennedys e, como cereja modernosa do bolo, “F* You”, de Lily Allen. Sugiro que os desavisados procurem as letras, para entenderem. Além de ouvirem, óbvio.

Depois desse alento aliviador, voltei a minhas reflexões de sempre. Tive vontade de fazer uma caminhada na praça (Não, não é pela atividade física – embora devesse ser -, mas pela necessidade real de ver algo além de minha varanda). Não consegui sair. Estou me sentindo um Holden Caulfield temendo o próprio campo de centeio metafórico.

Voltei-me para dentro de casa: pensei em arrumar a estante. Os livros estão até limpos, fruto da última faxina. Há tempo, há espaço. Falta disposição. Talvez amanhã… Vou ver TV. Nada de novo, além de notícias de Coronavírus. Sensação de disco arranhado na vitrola. Finalmente, acertei algo: ver algum filme das dezenas de DVDs que tenho por assistir, ainda. Estava guardando alguns para a época da aposentadoria, mas que é este período insano senão um ensaio hardcore dessa “falta do que fazer”? Nessa hora ser colecionador é bom. Sabia que uma hora esse acúmulo seria útil, algum dia.

E aí você me perguntaria: filmes de terror? Nessa época? Como você consegue? Ah, amigos. Esse momento só comprova, pra mim, o que eu sempre falei: o terror não é o da ficção, é o da vida real. Ali, no cinema, na tela da TV, é muito bom, adoro. Horror mesmo é a realidade.

O escolhido foi um clássico (amo clássicos do terror) de 1934, “O gato preto”, baseado em Edgar Allan Poe – mas só “baseado” mesmo, não teve nada a ver com a história original, embora o enredo do filme seja legal. O que importa, nesse caso, é ver Boris Karloff e Bela Lugosi em ação: esplendoroso. Juntamente a Christopher Lee e Vincent Price – o maior de todos – formam o quarteto formidável do gênero. É inacreditável a qualidade dos atores de antigamente. Sem efeitos especiais (aliás, na maioria das vezes, com “defeitos” especiais), esses mestres assustavam pelo olhar, a expressão facial, a voz. Sim, como sempre, é fundamental ouvir a versão original, ainda que legendada. A dublagem, por mais bem-feita que seja, destrói o trabalho vocal primeiro do ator.

A saudade de meus filhos está mais cruel que os vilões do filme. Um deles, o mais novo, já está sem paciência de ficar em casa. Dia desses pediu pra vir pra cá. Imaginem a dor no coração de um pai para dar esse “não” com a justificativa de que não é seguro para nenhum de nós dois. A mãe dele está em um hospital – todos querendo sair e ela precisando entrar, isso, sim, terror de verdade -, fez uma cirurgia, pois quebrou o pé na véspera do confinamento. Felizmente, deve sair amanhã. E a garota, mais velha, confinada não só a seu apartamento, mas também a um suporte para as medicações, lutando contra o câncer, está de pouco papo (e não é para menos). Pelo menos está com a mãe e o namorado.

Melhor eu parar por aqui. Caiu um cisco no olho e preciso tomar um banho para retirá-lo. Até amanhã.

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