Ontem me senti um tanto “David Copperfield”, de Charles Dickens. Ou uma das crianças de rua de Jorge Amado, em “Capitães da Areia”. Mas não no sentido dramático dos relatos. Uma sensação de ser lembrado em momento de isolamento é muito bom. Uma amiga leu aquela minha crônica sobre a saudade de certas coisas e me trouxe pão quentinho e manteiga (e mais uns litros de minha bebida, que ela viu no supermercado e sabe que é difícil de achar). Tudo bem, ela veio de máscara, não nos aproximamos, ela deixou o presente e saiu. Recusou pagamento, disse que quando tudo isso passasse a gente ia “tomar umas” e eu retribuiria o gesto. Concordei.
Fiquei imaginando quantos neste país não possuem amigos com essa sensibilidade, percepção e, especialmente, atitude. Sim, porque com todos os cuidados, não deixa de ser um risco. E o brasileiro é craque em fazer gestos grandiosos, daqueles que ele fotografa e coloca nas redes sociais, mas bem pouco capaz de fazer coisas simples, sem que outros precisem saber. Sabem aquele pessoal que doa um cheque para uma instituição de caridade (e que provavelmente será descontado do Imposto de Renda), porém enxota o pedinte da porta de casa, da calçada da igreja ou do sinal de trânsito? Pronto, esse é o perfil médio do brasileiro.
Embora eu esteja muito longe da carência de um esmoler, fiquei feliz pelo carinho e amizade da amiga. Registro o fato, mas não o nome, porque sei que não seria do gosto dela. Exatamente porque não precisa se exibir.
E já que falamos em diacrônicas passadas, quando desci para pegar meu presente, sabem quem encontrei? A lagartixa! Aquela, que quis fazer de minha cozinha sua morada. Confesso que gostei de tê-la visto bem. Mas também confesso que corri escada acima para impedir sua reentrada (sim, ela foi saltitando os degraus acima, serelepe). Tive de acelerar meu passo para assustá-la, fazê-la descer novamente as escadas e fechar-lhe a porta à cara. Satisfação por vê-la bem é uma coisa. Acolhê-la, dar-lhe calor, é outra… (vejam como é possível ser incrivelmente contraditório de uma maneira tão rápida, de um parágrafo para outro…)
Calor, quero falar sobre isso. Não bastasse a penúria desse confinamento, ainda tenho de suportar uma temperatura que não me permite sobreviver sem tomar pelo menos sete, oito banhos por dia. Nada contra banhos, sempre fui uma pessoa limpa, mas não precisa que a calefação deste planeta me teste, para eu provar isso. Estar constantemente transpirando me irrita profundamente, e a única solução é esse número absurdo de banhos. Pelo menos a conta de água não vai aumentar tanto, já que meu consumo sempre foi abaixo do previsto. Já a de energia, nem quero ver… um dos dois ventiladores ligado 24 horas por dia, computador, TV, tudo isso sendo utilizado de maneira bem diferente da rotina de trabalho… Já prevejo meu lado Scrooge (para voltar a Dickens) se contorcendo.
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