Mais um dia e cheguei à conclusão de que há coisas a mais em minha vida, depois do início dessa quarentena: mais peso (sim, ainda mais), mais dores pelo corpo, mais calos no dedo polegar direito (de tanto acender isqueiro), mais desgosto pelo nível de estupidez de certa parte da população brasileira, mais impaciência, mais consumo de energia elétrica (bem mais), mais problemas. Muito legal, né?
Ontem descobri que meu interruptor da cozinha quebrou e não consigo apagar a luz. Passei a noite com ela ligada o tempo todo e está lá, acesa até agora. Já decidi que será o jeito tentar subir numa cadeira e afrouxá-la durante o dia, apertá-la durante a noite, pois não possuo qualquer habilidade em eletrotécnica, nem mesmo tenho onde comprar outro interruptor, no momento em que estamos. Bem, se eu não aparecer amanhã para escrever a crônica, já sabem, morri da queda ou do choque.
Tragicômico. Na Antiguidade, Hipócrates, o pai da Medicina, aquele mesmo do juramento que os médicos fazem, foi chamado para diagnosticar o filósofo Demócrito como louco, porque este ria de qualquer coisa. Assim me sinto. Meu lado Demócrito está perdendo o controle, aí vem meu lado Hipócrates e dá uma paulada em mim, para me recordar que esse confinamento não é para amadores.
Felizmente, a autoironia me é a favor. Nessa hora, ser machadiano é algo positivo. Nestas diacrônicas acabo me sentindo meio que o norte-americano David Sedaris de “Seu falar bonito um dia”, uma obra que reúne seus relatos sarcásticos sobre o dia a dia. Ser um “clown” shakespeareano, como diria Manuel Bandeira, é melhor que lirismo comedido.
E já que o assunto é tragicomédia, ontem brotaram de todos os lugares, nas redes sociais, defensores do Presidente, após mais um toque de berrante, digo, pronunciamento na TV. Desta vez, mais cuidadoso, adotou um tom sério, como se realmente ele acreditasse ser um estadista. Deve ter convencido sua fiel manada, pois começaram a ruminar e posteriormente regurgitar toda a sua revolta contra qualquer cientista, especialista e pesquisador que ousasse falar da necessidade de uma reclusão mais duradoura. Mais ou menos como se eu olhasse para um mecânico que me diz que o problema é no motor e afirmar que é de lataria. E insistir em rodar no carro até ele parar de vez, morto. A única diferença é que se meu carro morre, o problema é meu. Não infecto outros carros com minha teimosia.
O rei do gado (perdão, Benedito Ruy Barbosa!), digo, presidente, fez isso não sem antes, mais cedo, falar que o 31 de março de 1964, o do Golpe Militar, foi um “grande dia de liberdade”. Todavia, o que dói não é ver o chefe de uma nação dizer tamanha aberração em público. É ver uma quantidade de mentecaptos concordando com isso e querendo outra ditadura, querendo outro AI-5! Sugiro, aos que têm abertura para tal, que leiam o já citado em outra diacrônica “Sombras de reis barbudos”, de José J. Veiga, “Ainda estou aqui”, de Marcelo Rubens Paiva, “A noite de espera”, de Milton Hatoum, ou mesmo o adolescente “Meninos sem pátria”, de Luiz Puntel. Nenhum deles é partidário, nem escrito por supostos “comunistas”. Fica a dica.
Findei a noite criando uma campanha para que as pessoas não fizessem piada sobre Coronavírus no tradicional primeiro de abril. Existem tantas pessoas abaladas por essa história toda, que criar uma brincadeira, seja de falsas expectativas, seja de tragédia, com esse assunto, seria atormentar uma alma já sofrida, desejosa de esperança. Aliás, este país já tem tantas mentiras que elas perderam a graça. Mas isso é assunto pra amanhã…
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