Após 20 dias deste forçoso e necessário regime de prisão domiciliar, uma boa maneira de evitar a sensação de insanidade é buscar um lado bom. “Pronto, já perdeu o juízo em 20 dias”, você deve estar pensando. Não, claro que não é agradável ficar nessa situação de forma não deliberada, mas algo de positivo tem de ser retirado, para que nos lembremos disso tudo com algum sorriso, ao final (se é que sobrará algum dente neste sorriso banguela, pois planejava meu retorno ao dentista justo nessa época, e agora…puf!).
Comecemos pelo lado artístico: vários autores escreveram grandes obras em períodos de clausura, por motivos variados: além do já citado “Memórias do cárcere”, do compatriota Graciliano Ramos, há uma lista bem considerável de autores nessa situação, como François Villon, Bertrand Russell e Verlaine. E se pra você isso é pouco, saiba que Oscar Wilde escreveu quase toda sua vasta obra na prisão, assim como o gigantesco clássico mundial “O engenhoso fidalgo Dom Quixote de la Mancha” foi, segundo algumas teorias, todinho produzido em cativeiro por Miguel de Cervantes, já maneta da mão esquerda, em três meses, quando trancafiado por desvio de dinheiro (não, não vou fazer a piada com um político que você está pensando, mas que deu vontade, deu). Ah, e Cervantes fez essa obra grandiosa quando já tinha apenas seis dentes na boca! (Ops…)
Eu já declarei, em alto e bom som, que prefiro que este confinamento não dure o suficiente para que estas diacrônicas tenham páginas bastantes para virarem um livro, algum dia. Gostaria que acabassem amanhã, esta nossa sentença e o livro, em si. Porém, ao que tudo indica, meu desejo maior não se cumprirá. Então, que seja produtivo, ao menos.
Voltando às positividades, estou tentando colocar minhas leituras e filmografia em dia. Era algo que eu planejava fazer apenas com a aposentadoria, mas nada como um bom “ensaio”, antes de concretizar o projeto. Também estou me alimentando melhor (com os dentes – eu dei uma exagerada, para fazê-los rir, no começo, ainda tenho a maior parte deles comigo), mesmo que não de forma tão saudável (porém, no ritmo de trabalho, muitas vezes, nem isso).
E… sono. Estou repondo muito sono. Recolho-me às duas da manhã e acordo sete. Ainda tiro um cochilo de uma, duas horas, após o almoço. Isso pode parecer pouco pra vocês, mas para quem só conseguia “se desligar” parcialmente durante 3, 4 horas por noite, estas 6, 7 atuais me fazem quase um Rip van Winkle. Tudo bem, que nesse caso a lenda americana que eu preferia encarnar era a do marveliano Capitão América. Seria ótimo acordar vários anos depois, quando toda essa pandemia sumisse. Ou não, sabe-se lá o quanto este mundo vai piorar, ainda…
Também estou aproveitando para atualizar, aos poucos, meus arquivos do computador. Organizando pastas de fotos, textos… A biblioteca (lembram?) ainda não arrumei, mas vou conseguir, qualquer dia desses; não há mais pressa para nada, infelizmente. Digo infelizmente por conta da doença que nos impede de sair, claro. Mas é interessante ter tempo para fazer as coisas com calma.
Meu maior débito está com meu peso. Sinto que perderei algumas roupas, ao final desse processo de enclausuramento. Andar de máscara feito o Zorro não é tão complicado (exceto para amarrá-la, que dificuldade em fixá-la sem olhar!), mas eu estou mais para o obeso Sargento Garcia que para o justiceiro criado por Johnston McCulley. Eu deveria estar fazendo atividade física. Sim, deveria. Até o fim dessa quarentena tenho de criar coragem dupla: para enfrentar o medo de sair à praça ao lado de minha casa e caminhar e para vencer a preguiça de mesmo pensar em fazê-lo. Aliás, deu-me um sono, agora… acho que vou aumentar minha cota de horas regenerativas de hoje. Bons sonhos, para todos nós.
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