Deus não precisa de mim, não precisa de você, não precisa de ninguém. Ele é Único. Ele não tem sexo, não tem raça, não tem credo, não tem classe social, não tem satisfações morais a dar a ninguém. Daí por que Ele pouco está se lixando para nossos conceitos, preconceitos, respeitos ou desrespeitos. A Ele não importa se você é homo, hétero, pan ou assexual. Nem se você é cristão, muçulmano, budista, maometano (até porque Ele é todos num só) ou ateu. Seus conceitos de moralidade e justiça não Lhe interessam. A cor de sua pele e o seu agrado ou desprezo pela cor alheia Lhe são alheios. Deus é uma energia cósmica indefinível e soberana em sua onisciência, onipresença e onipotência. Sabe de tudo, mas não Lhe apetece saber; está em todo lugar, mas não Se manifesta; pode tudo, e não faz nada.
 
 
Simplesmente porque Deus não espera nada de nós. O que Ele tinha de fazer, já foi feito. Deu o seu respirar (porque nem para soprar precisou se esforçar) de vida e o Universo surgiu e evoluiu. Depois tentou alertar-nos, uma única vez, sobre os perigos de nossa autossuficiência, enviando Seu filho como mensageiro. Anos depois, vendo que a mensagem não seria ouvida, poupou Jesus da vergonha de ser ainda mais ridicularizado e arrebatou-o. Esse mesmo Jesus que passou 40 dias no deserto, jejuando e resistindo ao demônio, enquanto você se lamenta porque está há 20 dias sentado em sua poltrona e choraminga pateticamente por não poder passear em um shopping, ou resmunga, querendo ir ao mercado comprar peixes e ovos de páscoa (para muitos, um coelho é um Jesus Cristo felpudo).
 
 
 
Esse Jesus que nossos antepassados humilharam e crucificaram não veio para salvar ninguém. Veio como mensageiro. E assim como fazemos muitas vezes com os sinais da natureza também divina, nós o desprezamos e dele zombamos. Repare nas pessoas para quem Jesus se dirigiu, fosse com palavras de carinho, fosse com gestos de cura ou acolhimento: prostitutas, doentes, cobradores, ladrões, escravos, hereges, pecadores em geral. Exatamente os correspondentes atuais de nossos ódios, preconceitos ou, pior ainda, de nossa compaixão hipócrita.
 
 
Ele foi o último aviso de Deus de que as escolhas, o livre arbítrio deveriam ser em nome da convivência, da justiça, do respeito, da luta pela igualdade social. Não escutamos. Hoje, é Deus quem não nos escuta. Melhor: escuta, mas ignora. E você acha que Ele é que o castigou com este vírus, por nossos pecados. Ou que Ele nos redimirá com a cura, assim que estalar os dedos, mediante nossos joelhos ralados ao chão. Esqueça. Deus tem mais o que fazer. Nós que nos viremos para sairmos do buraco onde nos enfiamos. Nós, enquanto espécie humana, há muito somos responsáveis por tudo o que de bom ou ruim nos ocorre.
 
 
 
E não adiante recorrer à Bíblia. O Antigo Testamento é um misto de ficção literária e tratado sociológico de tempos que não existem mais. O Novo, um compêndio de História com pitadas de livro de autoajuda e um conto de terror ao final. E você, sepulcro caiado, reprodutor das leis mosaicas adaptadas ao seu palimpsesto particular, saiba que é mais fácil acreditar no “Evangelho Segundo Jesus Cristo”, de Saramago, do que na veracidade dos profetas pré-cristãos.
 
 
 
Hoje, na dita Semana Santa, começa o período em que dois extremos filosóficos ocidentais – o “Anticristo” de Nietzsche e a “Suma Teológica” de Tomás de Aquino – dão as mãos (banhadas de álcool em gel) e, entre lágrimas e risos, assistem a uma sociedade que não conseguiu encontrar nenhum caminho: nem somos racionais, nem religiosos. Não acertamos em ser cristãos, nem em ser super-homens. Porque o mundo parece não ter aprendido que a energia cósmica de Deus é para ser absorvida e vivenciada, não idolatrada numa igreja, templo, ou qualquer outro local sacralizado por nossas carências, incertezas, temores e hipocrisias. Não percebemos, enquanto raça humana, que ninguém mais será mandado para nos ensinar ou salvar. Nós é que temos que buscar, imbuídos dessa energia positiva de Deus, o próprio caminho para fora desse deserto de dor e agonia. O oásis existe: nossa consciência e evolução enquanto sociedade. Deus é a inspiração. A religião, contudo, apenas uma miragem.
 
 
Feliz Páscoa.

Comentário do facebook