Vamos imaginar que a Bela Adormecida, dos contos de fadas, não tivesse sido beijada, a não ser em 30 anos. Ou que o astronauta Ulysse Mérou, da clássica obra francesa de Pierre Boulle, “O planeta dos macacos”, ao retornar de sua fuga extraordinária, após 700 anos terrestres, não encontrasse o planeta Terra dominado pelos próprios macacos. Como esses personagens veriam esse novo mundo?
 
 
Será que em seus sonhos ou em sua viagem de volta pensariam em encontrar ua sociedade nova, diferente, em seu despertar/retornar? Bem, às vezes me pego refletindo a respeito, nesta quarentena. Como sairão em suas novas vidas as pessoas que realmente cumpriram os preceitos necessários? Como serão as primeiras saudações no trabalho? O primeiro beijo dos namorados, os primeiros abraços nos amigos, a primeira rodada no bar entre eles? Serão gestos esfuziantes, contidos ou ainda distantes?
 
 
As relações domésticas (casamentos, pais e filhos, irmãos) sobreviverão? As criadas pelas mídias sociais vão se desenvolver? A religiosidade aumentará e o respeito pela ciência, igualmente? Os cuidados com saúde serão maiores? Pessoas passarão a prestar mais atenção ao que comem? À higiene das mãos e demais partes do corpo? Será que valorizaremos mais as amizades, agora que elas ficaram mais distantes? Pais passarão a respeitar professores, depois de terem se obrigado a controlar seus filhos 24 horas? Eu voltarei a encotnrar a lagartixa que quis ser minha hóspede?
 
 
 
As respostas para todas essas perguntas atendem pelo nome de ESPERANÇA. Não a esperança boba, irritante e vazia, de tão ingênua, como a de uma Pollyanna da vida (perdão, senhora Eleanor H. Porter, onde quer que esteja, contudo, essa sua personagem é insuportável), mas uma consciente e cuidadosa. De que podemos melhorar enquanto seres humanos. Tirar lições dessa dura experiência.
 
 
Hoje finalizei a noite vendo um filme excelente, para quem gosta do gênero, claro, chamado “A máscara do demônio” (I Lunghi Capelli della Morte”, no original italiano), de 1964/5. Não se impressionem negativamente pelo título e nem confundam com o outro clássico com o mesmo título em português, de Mario Bava. Não há nada demoníaco no filme. A história acontece no fim do século XV e trata da vingança das filhas de uma mulher injustamente queimada na fogueira por bruxaria. Uma das filhas, aliás, protagonizada por Barbara Steele, a “rainha do grito” dos filmes de terror da época. Entretanto, isso não vem ao caso, é só uma indicação. O interessante é observar algumas situações similares do modo de tratar a Peste Negra no filme, em relação ao Coronavírus de hoje.
 
 
Primeiramente, para fins de não cometer gafes históricas, é bom que se saiba que a Peste Negra surgiu no século XIV, prolongou-se por boa parte da Europa durante todo o século XV, chegando a ter repercussões até o século XIX, em cidades como Florença. Pois bem. A vila feudal do filme mostra um pequeno retrato de uma sociedade apavorada, em que a nobreza e o clero se refugiam na área de palácio e deixam os aldeões morrerem à míngua, enquanto pedem desesperadamente para entrar no castelo, por acharem que lá estariam em segurança. Os encastelados só saem para retirar corpos das casas e queimá-los, sob os protestos dos familiares, que querem um enterro digno (incrivelmente semelhante ao que aconteceu na Itália, há alguns dias). Outra cena marcante é uma chuva muito forte que, segundo o povo humilde, seria uma bênção de Deus para acabar com a Peste. Todos vão para as ruas, banharem-se na “água torrencial benta de graças”, comemorando o fim da praga. Obviamente, nada acontece. Não pude deixar de lembrar de certas superstições arremessadas aqui e ali, em “torrentes correntes” midiáticas.
 
 
Todavia, para aqueles que se cuidam, há esperança. Se dermos ouvidos à ciência e ao bom senso, sairemos, não todos, infelizmente, mas a maioria, para um novo mundo que nos aguarda. Assim espero. Que seja algo com novidades e cuidados. Com alegria e precaução. Com Eureka e Amém.

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