Talvez um de meus maiores dramas nesta quarentena seja não o isolamento, mas o calor. Pessoas gordas já são naturalmente calorentas, porém, nos últimos dias, está demais. Transpiro o tempo inteiro, seis ou sete banhos por dia, eu já estou suando quando começo a me enxugar. Brotoejas nos braços, costas molhadas, a recém-criada barba coçando, uma agonia sem fim. Os dois ventiladores que ponho sobre mim enquanto escrevo ao computador não dão conta. Definitivamente, preciso sobreviver ao calor mais até do que ao vírus.
 
 
É uma preguiça, uma vontade de não fazer nada já corriqueira quando se está em casa, só elevada por esse mal-estar insuportável do maldito calor. Tenho absoluto ódio daqueles apresentadores de telejornal que ficam dizendo: “No Nordeste, tempo bom, com muito sol”. Bom, uma pinoia! Bom é tempo frio, sem sol, sem suor. Alguns de vocês poderão até dizer: “Ah, mas é porque você não mora aqui, em ***, é bem pior”. Bem, eu só tenho notícia de duas cidades mais quentes que esta: Manaus e Teresina. Na última eu estive quando criança, lembro que a temperatura era bem alta, mas não posso afirmar nada, pois lembranças infantis, nesse caso, não têm validade. A primeira eu não conheço. Então, entre as cidades onde já andei, esta é a antessala do Inferno de Dante Alighieri, de tão quente. E se tem pior, desculpem, não quero nem conhecer.
 
 
Seria muito feliz sendo o Mr. Freeze, o vilão dos quadrinhos, inimigo clássico do Batman. Todo tempo gelado. Delícia. Para que vocês tenham uma ideia, eu sou daqueles que reclina o corpo sobre o freezer de carne dos supermercados, só pra ficar saboreando a temperatura gelada em meu corpo. Nada mais reconfortante. Claro, então, que passo o dia ansiando pela chuva. Infelizmente, se muito, ela vem à noite, quando o próprio céu parece não suportar mais o calor e chora de desgosto. E ontem ela veio, bem tarde, mas protagonizando uma cena que poderá ser linda ou patética, deixarei a seu critério silencioso avaliar…
 
 
Ao terminar de ver meu filme dessa noite, “O moinho das mulheres de pedra”, de 1960, muito bom, por sinal, eu vou me organizando para dormir, quando ela vem: forte, torrencial, com um ou outro princípio de trovão. Corro para a varanda, nu (durante o dia uso um short de pijama, porque as pessoas que passam do outro lado da calçada podem me ver, aqui em cima). Fico a sentir as gotículas que o vento forte traz, saboreando a última dose de rum limão da noite, o penúltimo cigarro… Que sensação deliciosa! Penso em descer, não para a rua, pois posso ser flagrado por um carro aleatório, mas para a pequena entrada entre meu portão de subida e o principal da casa, onde, protegido pelo muro alto, poderia me deliciar com a pequena tempestade…
 
 
Infelizmente, a calha (que produz uma bica bastante convidativa) denuncia que, nesse exato instante, a chuva começa a diminuir. De pequena tempestade a uma garoa. Lamentável. Súbito, a força volta. E decido não me arriscar de novo. Saboreio, dali mesmo, as pequenas gotas que me acariciam. Passa um caminhão de entrega vindo da fábrica de leite alguns quarteirões rua abaixo, em plenas duas horas da madrugada, o que confirma que fiz a escolha certa em não aproveitar pelado o banho de bica. Depois, a correnteza carrega uma daquelas bandejas de frios de supermercado no meio-fio na calçada oposta, lembrando o barquinho do livro “It”, do genial Stephen King… Linda cena. Até que ela engancha em algum obstáculo do asfalto e para.
 
 
 
 
No último gole, penso em você (se estiver lendo, você sabe quem você é), aqui, também despida, só me envolvendo em seus braços, meio aproveitando, meio se resguardando da umidade suave do gotejar. Quando a precipitação tristemente para, mais uma vez, sua imagem enevoada vai se desvanecendo de meu corpo e de minha mente e decido me recolher, antes que os últimos pingos se esgotem e eu perca o direito de tentar dormir com o barulhinho da chuva. Nem deu tempo. Parou. Ali mesmo, acendo o último cigarro da noite e duas lágrimas escorrem. Rapidamente enxugo-as. Não posso me dar ao luxo de sofrer. Não posso me permitir. Entretanto, é fato que a solidão, minha costumeira e frequente amiga há um bom tempo, pegou pesado pela primeira vez nesta reclusão. Vou para a cama. Respiro fundo, agarro um dos travesseiros enquanto acomodo o outro à cabeça. Sonho acordado, a fim de parar de acordar sonhando. Durmo.

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