Ontem precisei ir mais uma vez ao supermercado, fazer compras. Terceira vez, uma média de uma a cada doze dias. Considero razoável e seguro. Todavia, impressionou-me, juntamente às notícias do dia, a sensação de “cerco se fechando”. Está certo que a quantidade de pessoas circulando era menor, com mais gente se protegendo, dentro do comércio. Entretanto, no trajeto, as pessoas sentadas nas praças e caminhando à rua livremente, sem preocupação, me causaram uma terrível sensação de que cada vez será mais difícil fugir desse vírus.
 
Assim também tive essa sensação nas notícias que chegam pela televisão e pelas mídias sociais. Colapso no Sistema Único de Saúde do meu estado, Ceará. Imagens de centenas de covas ao ar livre em Manaus. Depoimentos sobre profissionais da saúde contaminados por todo o o país. Números de mortos aumentando em escala quase geométrica. A doença está invadindo o Brasil.
 
 
Após escrever esta última frase, tive vontade de ter o poder de mudar o fluxo dos acontecimentos da realidade. Como Raimundo Silva, em “História do Cerco de Lisboa”, de José Saramago. Com uma simples palavra, “não”, ele mudou o fato sobre a conquista da capital portuguesa. Seria tão bom que eu, se ousasse colocar um “não” antes daquele “invadindo”, alterasse tudo o descrito antes apenas para boas notícias. Porém, o poder mágico da Arte tem alcance limitado, para o mundo real. Caso pudéssemos utilizar dela para esse benefício, eu já teria me candidatado a entrar no Túnel do Tempo de Irwin Allen ou no DeLorean Time Machine do doutor Emmett Brown e resolver essa parada.
 
 
É então que você começa a ter pequenos sinais de uma paranoia que, para quem não tem controle mental, pode começar a se expandir. Voltei para casa com uma tossezinha seca, chata. Só percebi sua insistência com o olhar de esguelha e temeroso do motorista do UBER, pelo retrovisor central. Imediatamente me ocorreu um “será?” à mente. Veio logo em seguida o reconhecimento tardio de uma dorzinha nas costas, à altura do rim esquerdo. Mas uma análise rápida e fria me convenceu de que não era o vírus, pois eu não tinha nenhum dos outros sintomas: febre, gripe, insuficiência renal e, principalmente, falta de ar. Certifiquei-me então, de, usando a lógica, sem pânico, observar que tenho ficado muito tempo sentado diante do computador, o que justificaria a dor às costas. E que a quantidade de cigarros aumentou vertiginosamente, durante a quarentena. Pronto, eis a razão da tosse.
 
 
Mesmo assim, “tranquilizado”, não pude deixar de notar que várias pessoas estão contaminadas e os bairros de foco principal, antes apenas na zona nobre, chegavam na semana anterior aos vizinhos e, agora, a meu bairro. Além disso, um colega meu professor foi infectado. Mas, por não ser grave, está em reclusão no próprio quarto, com a família a lhe dar alimento, sem ter contato. Sobreveio então a sensação de que o cerco se intensificou.
 
 
A insatisfação de quem deseja sair de casa também. Cresce o número de pessoas que está preferindo se arriscar, ou por necessidade financeira ou por teimosia e ganância, mesmo. Será difícil segurar a população se não forem tomadas medidas extremas, em nome de um bem maior: a saúde pública. Só que até isso é complicado, pois há mesquinhos e conflitantes jogos políticos por trás de toda ação.
 
E quanto mais nos aprofundamos nesse conflito de interesses, nesse jogo de poder, mais ficamos decepcionados em como somos todos meros peões sem valor nenhum em um tabuleiro de xadrez onde reais e rainhas nos sacrificam facilmente em nome de seus objetivos. E usam até da ciência, da religião e de preceitos de economia ou mesmo sociologia para nos convencer, um lado ou o outro, de que isto ou aquilo deve ser feito. Uma pequena investigação seria transformadora, porém frustrante como foi para o personagem Jonah, quando tentou descobrir os porquês do lançamento da primeira bomba atômica, em “Cama de Gato”, do norte-americano Kurt Vonnegut.
 
Desesperançado como Jonah, eu olho estupefato para esse caos e a cada dia me lembro mais de Thoreau, em seu “Desobediência Civil”: “Primeiro temos de ser homens; depois, cidadãos”. Se não tomarmos as rédeas de nossa própria sobrevivência, terminaremos à mercê de inescrupulosos mandatários que não se importarão com as perdas de milhares de vidas a fim de se manterem em suas posições, para eles, grandiosas. Durante ou após esta pandemia, precisamos tomar conta de nosso destino.

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