Um passatempo agradável para quem aprecia Arte é observar telas famosas e ficar buscando interpretações ou detalhes antes não percebidos. Bem, entre uma olhada em alguns clássicos pictóricos e em notícias que vinham pelas redes sociais, deparo-me com um quadro de Salvador Dali muito interessante, chamado “Cisnes refletindo elefantes”, de 1937. E percebi que se o espanhol fosse vivo hoje e ainda não tivesse encontrado motivo para fazer tal obra, seria o nosso país a inspiração para essa e outras pinturas. Nada mais surrealista, ultimamente, que o Brasil. Recomendo que vejam uma imagem do quadro, para entender ainda melhor o texto a seguir.
Senão, vejamos. Selecionei três fatos que me apareceram de ontem para cá, de forma a ver o quão bizarros são nossos “cisnes” e mais grotescos ainda são seus reflexos paquidérmicos. O primeiro cisne já foi a “Namoradinha do Brasil”. A atriz Regina Duarte, a “Secretária Especial da Cultura” (pois para nosso ilustre “mentecapdente”, Cultura não merece Ministério), dá uma entrevista para uma emissora de TV e declara saudades do tempo da música “Pra Frente, Brasil” (e a canta, toda alegre!), hino esportivo que remete qualquer brasileiro lúcido tanto ao escrete canarinho campão em 70 quanto à ditadura. Questionada a respeito, ela simplesmente declara que “na humanidade não para de morrer (sic); se você falar vida, do lado tem morte”. Poeticamente funesto, não?
A seguir, ela dá um escândalo ao entrar no ar um depoimento gravado da sua colega de profissão Maitê Proença, que a questionava sobre o silêncio governamental a respeito de artistas falecidos recentemente (“coincidentemente”, quase todos com uma tendência para a esquerda) e sobre o abandono da classe pelo governo, durante a pandemia. Regina retira-se da entrevista e ameaça jornalistas, seguindo o padrão bolsonariano de comportamento com a imprensa.
O canto desse cisne foi ultrajante. Sorrir ao se referir à Ditadura é inadmissível. Fazer escândalo com a opinião contrária demonstra que essa senhora, infelizmente, foi bem escolhida para o cargo. Está no perfil dos que compõem a equipe do Poder Executivo. Hoje rivaliza com a Ministra Damares e com o também Ministro Weintraub para o Oscar de mais patética figura do governo. Conseguiu a proeza de ofuscar a imagem da genial atriz que sempre foi. Sumiu a eterna “Helena” do roteirista Manoel Carlos, que sempre atribuía esse mesmo nome a suas personagens doces, guerreiras, vencedoras e dava o papel para esta Regina, agora não mais Duarte, mas “Sem arte”. A Helena agora é o cavalo de Troia (ou elefante de Troia, para encaixarmos na tela de Dali), não a namoradinha do Brasil ou de Menelau. É uma traidora da pátria amada brasileira.
O segundo cisne não cantou, mas se filmou: o rapaz entra numa farmácia e quer comprar, creio, um teste de glicemia, ou algo parecido. Está sem máscara de proteção. Outro cliente pede que ele coloque. O cisne se irrita. A balconista oferece uma, ele a coloca na cabeça, como se fora um chapéu de aniversário – não, melhor: de palhaço – e pergunta ironicamente se o decreto governamental o obriga a usar no rosto. O outro cliente, indignado, e com razão, grita para que o perigoso vetor da doença use a máscara no local certo e a puxa para lá. Adivinhem: o meliante diz para que não lhe toquem. Ao final, a balconista resolve atendê-lo, apenas para que ele saia mais rapidamente da farmácia. E não havia o produto. Ele sai.
Não sei se quando e onde você estiver lendo esta diacrônica existirá uma expressão que dizemos aqui: “sutil como um elefante numa loja de porcelana”. Pronto. Depois deste cisne imbecil podemos mudar a frase para: “sutil como um elefante vestido de palhaço numa farmácia”. Ainda que este cidadão (se é que ele merece esse título) seja daqueles ignorantes que, incentivado pela estupidez governamental, duvida da eficácia mortal do Coronavírus, ele não tem o direito de não ter empatia com aqueles ao seu redor que estão apavorados com tudo isso. Falta bom senso e, sobretudo, caridade, nesse elefante.
Para fechar, temos um cisne agônico e patético, um cisne moribundo e cruel, que resolve promover um churrasco para trinta pessoas no Palácio da Alvorada. E ainda há quem diga que o senhor Presidente da República não é mau exemplo, não ignora as regras da Organização Mundial da Saúde e que tudo é um complô contra ele. Complô? E precisa? Ele mesmo dá munição para a temporada de caça aos patos, digo, aos cisnes, ou melhor, elefantes!
Esse churrasco lembra muito, mais uma vez, um conto de Poe já citado em outra das minhas diacrônicas: “A máscara da morte rubra”. O príncipe Próspero (aqui, seria melhor mudar o nome para Infausto) se fecha em seu castelo com seus convidados da corte para fazer uma festa, certo de que a Peste Negra não os atingirá. Mas ela vem, na forma metafórica de um convidado misterioso, com uma máscara vermelha (seria irônico, logo essa cor, para nosso desditoso “Príncipe das trevas tupiniquim”).
Eu imagino, então, os que recebem o convite, como ficam. Se algum deles for minimamente consciente, provavelmente se questionará sobre a ida para tal festividade estapafúrdia, como Camilo ficou em dúvida ao receber a carta de Vilela em “A cartomante”, de Machado de Assis… Ir ou não para um presumível encontro com a morte, a pedido do seu “líder”, de seu “amigo”? Bem, como provavelmente não há cartomantes disponíveis durante o isolamento, tal incerteza atormentará esse infeliz conviva até o último instante. Deixar-se-á seduzir pelo canto da morte desse elefante em pele de cisne? Bem que eu queria saber…
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