Estou sem muito o que falar hoje. Não sei se todos entendem isso, mas escritores também possuem suas crises de criatividade. Estou numa não totalmente inútil, é ainda produtiva, como a do personagem Ted Wallace (Roger Allam), em “O hipopótamo”, uma comédia razoável (porque boas mesmo, são raras). Ele acaba encontrando, numa solução por mistérios a decifrar, o caminho para lazer e redescoberta da escrita.
 
Hoje estou mais para descansar. Meus últimos textos foram longos, puxados, consumiram-me muito. Tenho até de repensar mesmo a extensão desse material. As notícias do fim da pandemia vão para cada vez mais longe. E o projeto que eu nem queria que virasse livro, de tão breve que eu desejava que fosse esse confinamento, corre o risco de virar algo da espessura de uma Bíblia ou do Ulisses, de Joyce.
 
Nada contra livros volumosos. Muito ao contrário. A Bíblia completa li três vezes (uma como católico, outra como agnóstico e outra como escritor, mesmo). Ulisses; duas (uma em português e, outra, um dos maiores desafios da vida, no original, em inglês). O problema é: já que está decidido que este material virá a prelo um dia, tenho de encarar com racionalidade os dois grandes riscos que corro, ao estender por demais esse projeto.
 
O primeiro e mais importante é que outros bloqueios de criação como o de hoje podem tornar a obra irregular demais, muito cheia de textos fracos entre outros supostamente bons. Isso não seria um crime em um gênero que é “exercitado” todo dia. Provavelmente os próprios leitores dão um desconto, quando leem algo com menor qualidade, pensando: “Não dá pra ele ser cem por cento toda vez, né?”. Contudo, eu realmente não gostaria de desagradar a mim mesmo, antes mesmo de frustrar algum fã caridoso.
 
 
Segundo, sendo ainda mais racional, obras muito extensas que não sejam aventuras como “Harry Potter”, “Jogos Vorazes” ou “As crônicas de gelo e fogo” não atraem o público em geral, nos dias atuais. Nada demais, isso, não fosse a literatura um projeto de futuro não tão distante para ajudar na sobrevivência, depois que me aposentar como professor. Tentarei ser uma espécie de Aluísio Azevedo moderno, escrevendo aquilo que desejo, mas sem deixar de lado o “mercado”.
 
 
Sendo assim, não terei vergonha em dizer que, HOJE, minha fonte criativa está em racionamento não forçado. Vou tentar descansar a cabeça, fazer de minha música, meus filmes e séries o “Meu pé de laranja lima” (José Mauro de Vasconcelos), um refúgio para repousar a mente. Afinal, eu desde cedo sei bem das dificuldades da carreira de escritor. É o próprio Zezé, personagem do livro, quem diz: “A verdade é que me contaram as coisas muito cedo”. Inocência, aqui, passou longe.

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