9 de maio de 2013
Sim, como todo ser humano, tenho medo da morte. Mas não da morte comum, fim controverso de uma vida para a sobrevivência de outras, como a dos vermes, por exemplo.
Temo a morte dos aromas que acalentam a alma, como o das flores, do café, do ventre de uma mulher ansiosa por amor, dos bebês recém-banhados. O delicioso empoeirado de uma obra ardorosamente procurada, o mormaço de uma chuva por meses aguardada. O pão quentinho saindo em fornada, o mato úmido.
Angustia-me a expectativa de não ver mais o sorriso da Monalisa, o pôr do sol, os olhos úmidos de quem se emociona, a arte de um drible, a interpretação de um ator em cena. Olhar para o céu (estando lá ou não) e não ver estrelas… Sentirei falta de não ver o sorriso cúmplice ou o aceno com a cabeça do aluno que entendeu o poema…
A pele arrepiada por um vento gélido, um toque estratégico, um texto empolgante, uma voz emocionada, um momento de paixão, um sussurro de “eu te amo” verdadeiro (raro, mas inesquecível)? Como sentirei saudades… Como me apavoro por não senti-los.
O gosto do seio trêmulo, do cigarro pós-café, pós-sexo, post mortem. Da fruta tirada do pé, da bebida suavemente embriagadora. Da rubra carne assada, da pimenta rubra, da boca rubra, do morango rubro. Lamentarei por não ter sentido o gosto da bala roubada da confeitaria.
E como não sentir medo de não ouvir mais o grito de gol do time a que se ama, a música que vira hino cotidiano, a voz do prazer, o gemido do prazer, o silêncio do prazer? A voz dos filhos chamando “papai”, o instante do reconhecimento, os estalados dos galhos secos, o pássaro errante, o eco dos tempos, a própria voz embargada… Como tremo de saber que não mais os ouvirei.
Mas há mais… Que importa que o corpo morra? Aterrorizo-me com a morte dos sonhos, com o fenecimento da alma, com o aborto dos sonhos, com o desaparecimento da luz que alumia a esperança. Temo não poder mais dizer, com ironia, indignação ou dor, tudo o que aflige alma. Pois uma alma aflita está viva. A satisfação plena é a vida entubada, artificial, ressuscitada por aparelhos. Temo perder a coragem que faz com que os meus me vejam como alguém questionador, corajoso, deliciosamente belicoso e irônico. Sim, temo matar a revolta, mola propulsora das transformações. Temo morrer sentado solitário em um sofá, enquanto a cinza do cigarro cai com meu cadáver ao solo.
Não receio a dor, mas a responsabilidade da lágrima alheia. Não receio o desejo improvável de ser amado com ardorosa, eterna e carnal paixão, mas a certeza de morrer só. Não receio a Deus, mas a mim, que não sou digno de Sua piedade.
Não é pelo desaparecimento de meu corpo que me contorço em desespero. Mas pelo desaparecimento inevitável de minha lembrança da memória das pessoas com quem realmente me importei ou a quem dediquei aulas de razão e emoção. Pois se eu sumir da mente deles, não aprenderam a se emocionar, nem a respeitar a memória de quem lhes quis bem com a gratuidade dos moribundos desde o berçário… E aí sim: tanto minha vida quanto minha morte terão sido em vão.
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