Há duas coisas que fazem de um ser humano alguém melhor com uma eficácia imediata: a aceitação de sua essência e um banho de chuva ao sabor da nudez. Assim como a água lava nosso corpo desnudo e os pelos do corpo se arrepiam frente ao frio de faca, a tomada de consciência de nossos orgulhos e limitações nos liberta do medo de errar, de sofrer, de ferir… Do mesmo modo que as paredes de casa numa área protegida do olhar alheio nos acomodam em meio à chuva, nossa mente e verdade é que dignificam a tomada de consciência de nossas dores, alegrias e reconstruções. Ou seja, lava-se, chove-se a alma.
Diante da proteção de muros menos intransponíveis que os do coração, a nudez umidificada pelas gotas de chuva não revela, mas permite autorrevelação. Sim, somos frágeis e escorremos. Mas enlevamos, lavamos, vamos do leve senso de espreguiçar à preguiça pesada de nos justificar. Quem sou eu? Querem que eu seja quem? A mim não importam, tais respostas. Não é o meu corpo desnudo que responde. É a chuva que o faz, ao nos desnudar.
Tal qual a chuva, que pode ser boa ou ruim, de acordo com a intensidade e necessidade, posso ser bom ou ruim em ocasiões diferentes. Afinal, a chuva não se controla, não se reprime, não pergunta se pode cair para refrescar, inundar, banhar ou encharcar. Ela só cai. E eu só sou. Não tenho o costume de perguntar se posso ser, se incomodo ser, se agrado ser, se magoo ser. Isso faz de mim alguém difícil. Sem me sentir, ou talvez por me sentir demais, eu facilmente sou previsto como intransigente e chato, quando me vejo autêntico.
E assim como a meteorologia erra muitas vezes, ao tentar prever como, quando e quanto de precipitação virá, erra quem tenta adivinhar como reajo diante de alguma coisa. Se nem eu acerto, na maior parte do tempo… O que sei é que sou chuva. Tardo, mas não falho. E inesperado incomodo, embora agrade, em certos momentos. Porém, o que mais me atrapalha (aos olhos sem guarda-chuva alheios) é que gosto de ser assim: chuva grossa, ácida e torrencial.
Meus índices pluviométricos são desmedidos e incontroláveis e não está na minha vontade ou desejo mudá-los. Portanto, há duas maneiras de alguém encarar essa chuva. Correr para um abrigo ou, como eu mesmo fiz… banhar-se nela e deixar-se levar pela plenitude, ainda que o frio e as agulhadas incomodem, muitas vezes…
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