Vivemos dias tenebrosos. Não resta dúvida. A sociedade está com cara de Idade Média: terraplanistas; defensores da vassalagem dos servos (trabalhadores) aos suseranos (patrões); fanáticos religiosos, fundamentalistas no poder ou ao lado dele; professores perseguidos por um suposto doutrinamento que nunca existiu (caça às bruxas); o conhecimento sendo tratado com deboche pelas novas gerações, para as quais escrever certo e com articulação é prepotência (saudades de quando a expressão “Textão!” era um elogio). Que falta fazem os valores iluministas!
Por outro lado, essa medieval realidade encontra opositores igualmente extremistas e inconvenientes. A hipocrisia da dita “sociedade moderna” ficou chata a tal ponto que nada mais pode ser expressado livremente: opiniões não podem ser firmes, devem ter o carimbo “Eu acho” ou “Na minha opinião”, sob pena de serem chamadas de “taxativas”, “excludentes”, “preconceituosas” ou “politicamente incorretas”. É uma censura intelectual de pessoas que se dizem contra censura. Se a declaração não contemplar positivamente qualquer minoria, já recebe o ataque impiedoso daqueles que exigem a reparação pelos detestáveis séculos de machismo, racismo e homofobia. Ignora-se completamente o elemento mais importante da situação: a intencionalidade. Nada mais é “uma simples piada” ou algo usado sem maldade e especificamente em qualquer outro contexto particular. Toda palavra tem de ser usada sob medida para não atingir os historicamente denegridos, ainda que seu desejo não seja o de ser preconceituoso. Ou seja, não basta NÃO SER, há que se regrar o discurso, em nome da causa. Um absurdo. Como sempre digo, só há uma coisa pior que o politicamente incorreto: o politicamente correto.
Ter um bom gosto e declará-lo é um atestado de “arrogância”. Defendê-lo, então, uma “agressão” às culturas ditas populares. Quem se atrever a dizer que determinado artista tem valor social, mas não artístico, será queimado na fogueira da excrescência modernosa dos fã(nático)s das causas justas. Pois é: as causas são justas, os meios é que têm sido mal utilizados e injustos. Não se pode obrigar alguém a ter uma opinião contrária e ficar calado. O tal “Não gosta? Fique calado” é tão repressor quanto o AI-5. Só que este defendia contravalores e a nova censura defende valores. Mas não deixa de ser censura. Está igualmente repressora e equivocada, mas com o agravante de ser feita por quem se diz contra ela. Percebem o contrassenso?
Agora não se discute mais a genialidade do texto machadiano, mas como corrigir a imagem dos livros que o trazem menos negro do que realmente era. Não se analisa mais no texto – que é o que realmente importa – a suposta traição de Capitu; bate-se o martelo que ela não traiu, em nome da causa feminista. E quem ousar dizer o contrário é crucificado como machista. Não se debatem as razões que levaram um latifundiário do fim do século XIX, porém também escritor, como Monteiro Lobato, a ser racista. O importante é impedir o “perigosíssimo” Negrinha de ir às escolas. Bani-lo das bibliotecas… Alguém lembrou da queima de livros da Idade Média?
Não importa, para tais pessoas, se Pabllo Vittar canta mal músicas ruins. O que importa é que ele é o primeiro drag queen no Brasil a fazer sucesso. Portanto, é proibitivo analisar e, muito menos, criticar seu trabalho: “só aceite”. Tudo isso sob a falaciosa expressão idiota de “gosto não se discute”. Discute-se, debate-se e há ciência para isso, chama-se Estética!! Pronto, lembre aos demais esse fato científico e o óleo fervente dos críticos incrustados nas paredes dos castelos da resistência dos novos sociólogos defensores dos marginalizados jorrará sobre sua cabeça. Não basta, para estes sacerdotes da Inquisição moderna, o respeito pelo gosto diferente; ainda mais que aceitação, exige-se adesão ou silêncio. Ame-o ou deixe-o! Ops…
Nós, os que valorizamos a língua portuguesa, esqueçamos Fernando Pessoa, Ruy Barbosa, Olavo Bilac, Eça de Queirós. O novo gênio da língua é Marcos Bagno… Falar e escrever bem é preconceito linguístico. Sonhar com um país mais educado e elevado intelectualmente é uma sentença de enforcamento, para que você permaneça “calado”. Se você deseja que o mundo se expresse melhor, morra, seu elitista desgraçado! O mundo “evoluiu”! É isso o que nos dizem…
E assim, nessa Idade Média de valores disfarçados sob discurso de modernidade, vamos (sobre)vivendo. Não importam conhecimento, ciência, justiça. Para os inquisidores modernos, só o fanatismo das causas que defendem os injustiçados. E que fique claro: existe, SIM, como defender as justíssimas causas sem ser tão chato e controlador dos discursos. Não se defende classes que foram extremamente massacradas com posicionamentos igualmente extremistas e compensatórios. Não temos de apagar da história os erros do passado, mas estudá-los, compreendê-los em seu contexto e… respeitá-los também, sem repeti-los! Não existe compensação que pague o mal cometido antes. Existe a mudança pelo respeito, pela educação aos nossos filhos, para que futuras gerações não sejam preconceituosas: nem para o mal e nem para o bem. Sim, mesmo para o bem, o preconceito contra a cultura de bom nível é um erro grotesco.
Não à censura! Tanto a politicamente incorreta quanto a correta! Pelo fim da Idade Média dos fanatismos! Que venha um novo Iluminismo, em lâmpadas de LED!
Post Scriptum: Se chegou até aqui sem pular parágrafos e sem reclamar do número de caracteres, parabéns! Passou no teste do “textão”! O cérebro está em dia.
Post Scriptum 2: Se sabe que “PS” (hoje trocado pelo simplista “obs”) é a abreviatura de “Post Scriptum”, uau! Duplos parabéns!
Post Scriptum 3: Se sabe o que Post Scriptum significa… eu te amo!
(Professor e escritor Roderic Szasz)
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