Nesse dia, teve-se a divulgação da notícia de que o Ceará é o estado do Nordeste brasileiro mais infectado, apesar dos esforços do governador em decretar que as pessoas ficassem em casa (ou talvez ele tenha feito isso exatamente por já ter essa informação antecipadamente, sabe-se lá). Assim como soube-se que a esmagadora maior parte dos casos está identificada na área nobre da cidade.
A área nobre e a comum. O sobrado e “O cortiço”, entenderam? Só que enquanto na obra do Aluísio Azevedo a “doença moral” estava apenas no sobrado, enquanto a física geradora da também moral estava no cortiço contíguo, aqui as coisas se inverteram um pouco: a moral que gerou a física está no “sobrado” econômico – afinal, eles são a elite, por viajar, se contaminar e achar tudo uma “gripezinha” (lembraram de um certo líder político?); acabaram por espalhar o vírus uns aos outros e… a seus funcionários domésticos, assessores, motoristas, garçons… então, em breve, o “outro lado” também estará totalmente contaminado por estes Robin Hoods anônimos e involuntários de uma “riqueza” indesejada…
Entre este cortiço e sobrado modernos, seria tragicômico o levantamento de um “muro de Berlim”, como sugeri, apenas ironicamente, a um grupo de pessoas com quem conversei à noite (a repercussão desta experiência será analisada adiante). As dramáticas tentativas de sonhar com um lado ou o outro dariam um tom adaptativo de enredo a obras como “Vidas novas”, de Ingo Schulze. E se pensarmos que construímos, ainda por cima, “muros de proteção” em nossas casas e em nossas mentes, para suportarmos a situação, fica impossível não lembrar de “The Wall”, obra musical da banda Pink Floyd, vertida para o cinema por Alan Parker.
Relendo este último parágrafo, pareceu-me ter exagerado demais na digressão. Deixem por conta dos sintomas do isolamento – risos. Há muito o que pensar e, portanto, tergiversar.
Bem, o que importa é que não há mais como negar que a doença se alastrará por todas as classes sociais e bairros – até porque os funcionários do lado nobre a levarão a seus locais de origem. Muito menos é hora de caçar “culpados” (se é que há), mas, sim, de nos resguardarmos e cuidarmos uns dos outros, nas casas ou a distância.
Falando nisso, ontem tive uma experiência de atender a uma chamada em vídeo em 4 pessoas. Eu e três colegas de trabalho. Foi quase uma hora de conversa, entre humores, horrores, temores e dissabores pela situação. É estranho ver as amigas do dia a dia em suas casas, com seus filhos (nessa hora tive inveja) por uma tela minúscula. Contudo, a sensação final não foi de nada além de satisfação por estar revendo um rosto amigo. Aquela palavra legal e de conforto para uma pessoa que esteja mais nervosa, fazer piada com a própria situação, perguntar pelos familiares, essas coisas. Sinto que todos nós saímos melhores, depois desse papo.
Então reitero o que falei ontem: comuniquemo-nos. Este é apenas o 5° dia de reclusão (sempre faço estas “diacrônicas” na manhã seguinte ao dia vivido) e já tem muita gente MUITO mal. Pense em quem você conhece que pode estar triste e dê um alô. E se não tiver ninguém demonstrando estar assim, fale do mesmo jeito. E vamos nos ajudando a sair dessa.
Comentário do facebook