Eu não me incomodo muito com minha idade física, a não ser pelo fato de que quanto mais ela avança, menores são as chances de saúde intacta e de chamar a atenção de alguma mulher. Contudo, não tenho vaidade, medo da morte ou algo semelhante. A velhice é um processo natural, que encaro com bastante tranquilidade. Até porque eu sempre pareço ser, nos gostos e atitudes, ainda muito mais idoso.
Fiz uma rápida análise de minhas predileções artísticas: Literatura, século XIX; Arquitetura, Idade Média; Escultura, Renascimento; Pintura, Renascimento, século XIX e início do XX; Cinema, anos 30 a 70. Histórias em Quadrinhos, anos 80 e 90; Música, anos 70 a 90. Notaram como nada é atual? Não consigo ver beleza na arquitetura imponente de Dubai, por exemplo. Notre-Dame é muito mais linda. Não vejo graça na pintura de hoje que se compare a um Michelângelo ou a um Van Gogh. Não consigo ouvir com interesse o rock de hoje, como ouço deliciado os loucos anos 70 ou os “perdidos” 80. Respeito uma Clarice, um Rosa, um Drummond, mas para mim eles não chegam à metade de um Álvares de Azevedo, de um Augusto dos Anjos ou de um Machado.
Até minha forma de escrever é cheia de vocabulário antigo, empoeirado, lindo. Nestas crônicas, por exemplo, mesmo me permitindo ser mais “fluido” no linguajar, você encontrará muitas palavras e ideias velhas. Só recentemente me permiti fazer poesia em versos livres, mas sempre preferirei a métrica, a rima. Boa parte de meus textos, inclusive, meu próximo livro, “Cartas a um extranho” (que sairá ainda este ano, espero), é escrito em ortografia arcaica de várias épocas ou, quando crio a a escrita, é com jeito de antiga, como o próprio “extranho”, do título. Ainda que corra o risco de receber críticas por tornar a leitura dessa obra mais lenta devido à linguagem, eu simplesmente não penso em mudar.
E sabem o que é o “pior” disso tudo? Eu gosto, de verdade dessa “velhice”! Gosto de ter costumes metódicos, de colocar as coisas naquela posição, ler sempre em determinado lugar, ver filmes sentado na preferida cadeira, na irretocável posição à mesa. Já tive, sim, meus arroubos de desejos por mudanças contínuas da mocidade, a necessidade premente de viver coisas novas todos os dias. Porém, acho que a realidade da sala de aula, que traz momentos absolutamente diferentes a cada ano, a cada dia, a cada sala que você entra numa mesma manhã minaram minha ânsia por novidades. Já as tenho demais. Hoje, prefiro a regularidade de uma “velhice tranquila”.
Um pouquinho diferente da obra de Scott Fitzgerald, “O estranho caso de Benjamin Button”, eu não rejuvenesço a cada dia, eu dobro a idade da alma. Cada vez mais idoso nos gostos, nos costumes, na linguagem. Minha única “modernidade” se resume nos conceitos sobre sociedade. Na ideia de que temos de deixar para trás uma visão comunitária preconceituosa, ditatorial, racista, paternalista. Ainda assim, eu mesmo trago comigo certos preconceitos artísticos e outros erros involuntários, frutos de minha formação. A grande questão é que estes eu reconheço e tento corrigir, mas daqueles eu tenho orgulho…
Portanto, enquanto alguns encaram a velhice como uma viuvez da vida, eu prefiro vê-la como aquela relação calma, serena, que pode não ter mais o vigor, a chama, o sexo da paixão… Mas traz em si o respeito e a calma de um amor bem construído ao longo dos anos. A saudade não impede a alegria, nesse caso. E dá força para a sobrevivência. Agora, com licença, que vou abrir meu “armário de relíquias”, como o do Conselheiro Aires, e ler meu Hoffman ali, para depois ficar embevecido ouvindo The Doors e ver um filme de Vincent Price…
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