Eu às vezes fujo de temas ligados à política. Não é sequer muito inteligente tomar uma posição clara, nestes tempos de extremismos estúpidos. Você acaba correndo o risco de perder leitores que não conseguem separar o artista da obra, em caso de discordância. A “fuga” não é tão difícil para mim se vou fazer um conto, uma poesia, ou mesmo tentar um romance. Porém, estas são crônicas. Relatos do dia a dia. Por mais que evitemos, há momentos em que não é possível. Há fatos impossíveis de serem relevados ou simplesmente ignorados.
 
Minha estupefação com os eleitores do atual presidente não para. Eles conseguem achar formas de reverter toda e qualquer coisa que lhes atinja, nem que seja da maneira mais contraditória e cínica possível. Parecem o Duas-Caras, vilão do Batman. Casos de bipolaridade que até o alienista Simão Bacamarte teria dificuldade de identificar. Seria Id disfarçado de Superego? Acho que nem Freud explica… pobre Simão!
 
Senão vejamos… Passaram anos exaltando o Ministro Sérgio Moro, desde quando magistrado que conduziu o julgamento político do petista Lula. Sim, porque, apesar de culpado, para mim, este só teve seu julgamento terminado e a decisão de prisão cumprida por ser um político de esquerda. Fosse ele de direita, nem sequer teriam aberto o processo. Elogios, vibrações, chegaram a pedir Moro para presidente, em vez do atual que aí está! Virou “herói” de operações contra corruptos e “exemplo” de retidão e coragem. Mesmo tendo dito várias vezes que não assumiria cargos no governo nem entraria para política, aceita o Ministério. Fechou os olhos para vários supostos crimes do governo do atual presidente, fazendo vista grossa, para não abrir ou não prosseguir investigações. Esteve sempre a serviço dos desmandos presidenciais.
 
 
De súbito, uma troca no comando da Polícia Federal vira uma questão talvez pessoal e Moro sai atirando para todo lado, sempre mirando seu antigo líder e fã. Farpas trocadas, reuniões feitas ou desfeitas e eis que o homem se demite. Agora, ironicamente, pode até ajudar a justiça, denunciando todos os crimes do atual desafeto que ele mesmo ajudou a ocultar. Quase um Hannibal Lecter. Pronto. Para os fanáticos do presidente, virou traidor e, pasmem, comunista. De herói a oportunista, de mocinho a vilão, de mosqueteiro a Caim. E ainda há quem diga que “viveu para ver os petistas celebrando Moro”. Primeiramente, é preciso que eu repita aqui o que digo sempre: não é necessário ser petista ou mesmo de esquerda para ser contra o presidente Bolsonaro. Basta ter bom senso. Segundo, não se está celebrando Moro. Tudo o que foi descrito no parágrafo anterior inviabiliza qualquer admiração por esse senhor. O que se comemora é mais uma baixa no crédito do governo desse presidente ridículo, baixa essa considerada improvável, devido à fidelidade canina (como todo respeito aos cães) que ambos mantinham um ao outro. E a subsequente frustração do seu eleitorado. Essa é a real comemoração.
 
 
Essa tentativa de “inverter os valores” do jogo é típico do bolsonarista, aliás. São defensores de ideias sujas e preconceituosas, mas se outorgam como baluartes da moralidade. Vibraram quando a Globo todos os dias batia na ex-presidente Dilma até ela cair, mas hoje odeiam a mesma emissora. Vão na contramão da Ética, da Ciência, dos princípios humanitários, e todo aquele que lhes questiona é uma ameaça “comunista”, não importa de onde venha a crítica. Vivem em um Universo Paralelo, quase uma Asgard, com a diferença de que, na Asgard miliciana, quem não é Odin é Loki. Sem meios-termos.
 
O brasileiro tem esse péssimo hábito de transformar vilões em heróis por um único ato, sem esperar toda a sua trajetória se cumprir. Foi assim com Collor, com Lula, com Bolsonaro, Moro, Mandetta… Todos de ocasião, devidamente desmascarados, cedo ou tarde. Se entendesse de Literatura, o tupiniquim legítimo saberia que os personagens da literatura realista e da própria vida são esféricos, não planos, como os heróis românticos maniqueístas. Pois, na verdade, quem hoje é vilão vira mocinho e vice-versa. Essa é a dinâmica da vida… especialmente no desonesto jogo político.

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