Estas diacrônicas começaram com uma expressão otimista, a “quinzetena”. Isso foi no longínquo 18 de março. 40 dias depois, o nome quarentena, infelizmente, fez jus à duração. Aliás, a palavra quarentena tem, ironicamente, origem na… China (nada de teorias conspiratórias, por gentileza!). Foi forjada durante o período de isolamento utilizado enquanto se buscava uma forma de vacinação contra a varíola, naquele país. É bom que se diga que a palavra veio da China, mas a prática da reclusão em pandemias vem desde a Idade Média, durante a Peste Negra.
Mal consigo acreditar que cheguei ao quadragésimo dia seguido escrevendo, ainda que algumas vezes eu tenha usado de subterfúgios literários para aliviar a ausência de criatividade. Já falamos sobre isso e quem tem acompanhado tem visto. A esta altura, meu desejo inicial de não ter este material publicado, pelo esperançoso motivo de que seria pequeno demais para isso, já está indo por água abaixo.
É claro que me orgulho de ter tido a ideia e de, sobretudo, mantê-la e talvez chegar a vê-la se tornar uma obra física. Alguns seguidores já demonstraram o desejo explícito de que isso aconteça, e outros foram até generosos ao considerarem que será uma obra importante para o futuro, um legado para as futuras gerações. É o grande sonho de todo escritor. A imortalidade da obra deve sempre ser maior que a do autor. Contudo, dificilmente alguém que escreva não o faça sonhando com o reconhecimento, ainda que tardio.
E eis que me deparo com uma frase que me vem à memória. Não sei se Fernando Pessoa o disse, se algum outro gênio ou se este reles mortal mesmo, em algum delírio de embriaguez: “Não nasci para estudar, mas para ser estudado”. Tirando a aparente e rasa interpretação de uma improvável e patética prepotência, se juntarmos essa assertiva a uma do poeta grego Eurípedes – “Trabalho, diz o provérbio, é o pai da fama” -, teremos uma fórmula interessante para o sucesso: dom somado a trabalho.
Porém, muito mais importante que o destino que terão estas diacrônicas é o que se apresenta em nosso futuro enquanto humanos. Já falamos muito sobre as angústias, tensões, mudanças comportamentais e até físicas ao longo destes dias. A grande pergunta esfíngica moderna é: “aprenderemos alguma coisa, isso?” Não sei. Ainda ontem vi pessoas insinuando que esta pandemia é uma grande mentira política e financeira. Eu me pergunto se essa não é uma posição também política e financeira, se terrível egoísmo ou mera ignorância científica.
“A Journal of the Plague Year”, de Daniel Defoe. O mesmo autor de Robinson Crusoé. Se você tiver acesso àquele livro, veja como é possível pessoas ficarem perigosamente divididas durante e pós uma doença que assola toda uma sociedade, exatamente por pensamentos como o colocado no fim do parágrafo passado. O livro é do século XVIII, fala sobre o século XVII, mas tem uma cara de século XXI como nenhum outro sobre o tema, acho. Numa narrativa entre realidade e ficção, predomina a luta entre pontos de vista diferentes, gerando uma batalha em que há mais derrotados que mortos.
Porém, não nos desesperemos. Nem todos deverão sair tão tolos ou insensíveis a uma vida mais digna, após tudo isso. Continuamos esperando pelo fim feliz dessa pandemia; e eu, desta obra. Tomara que novas palavras não precisem ser criadas, como “centenetena” ou uma desesperante “militena”, para falar da duração da praga. Tomara também que se encerre antes de muitas mortes ou tragédias existenciais familiares e pessoais. E, principalmente, com mais aprendizado sobre ciência, empatia e cuidado. Para o bem do Brasil e de todo o planeta.
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