Desculpe, mundo. Desculpe por ser quem sou. Infelizmente, essa é a única coisa que posso fazer por você, pois não vou morrer, matar e muito menos calar. Tudo o que posso é me des-culpar. Eu não tenho culpa de ser alguém intenso em qualquer emoção. E nem que essa intensidade se manifeste principalmente quando estou destruído pelas armadilhas em que você, mundo, me prende. Eu sou isso o que todos veem: rio pouco, mas com imensa gargalhada honesta, e choro pouco, também, mas em torrentes de lágrimas. E o estado entorpecente de equilíbrio é esse sarcasmo associado a uma melancolia interminável, uma autoironia a que alguns, equivocadamente, chamam de autopiedade. Assim, sou o rei do lamento autêntico a que você e seus habitantes chamam de “exposição”. Sim, eu creio na exposição, eu inclusive a valorizo. Porque um humano legítimo e puro deve ser visível, escancarado, mesmo, em suas virtudes e defeitos. O medo do julgamento de teus moradores, mundo, criou uma estranha convenção de mecanismo de defesa, para quem sofre ou quer evitar sofrer: não é permitido demonstrar. Sob as mais variadas alegações, das mais altruístas às mais egoístas, ninguém “merece” ver nossas queixas. Entretanto, mundo, eu não sou assim. Se amo, amo; se odeio, odeio; se sofro, sofro; se comemoro, comemoro, tudo com a mesma intensidade. Dor e alegria são estágios do caminho para a sublimação do sentir. Devemos passar por tudo isso com transparência, com a clareza de quem não teme ser apedrejado, vangloriado ou solene e tristemente ignorado (ainda preciso evoluir nessa última parte, tenho dificuldade em aceitar o desprezo de teus habitantes). Desculpe, mundo, mas eu sou totalmente fiel ao que acredito, coisa absurda para teus residentes. E sou um ser estranho. Mais que isso: adoro ser estranho, não ser padrão, mesmo quando isso me traz prejuízos. Aceito as vitórias e os percalços que me são dados por falar tudo o que sinto, sempre, sob qualquer circunstância. E não aceito que eu seja egoísta ao querer que aqueles a quem amo e que me conhecem respeitem isso e me tratem de forma igual. Eles têm o direito de esconder seus mundos perfeitos ou imperfeitos de si mesmos e dos outros, para evitar a tal exposição, mas não têm o direito de fazê-lo para mim. Porque não dou menos do que tudo o que sou, e não aceito receber menos, também. Portanto, eu sou essa criatura estranha, fã da solitude, mas não da solidão, ou seja, que adora estar só, mas não ser só. Se estou comigo mesmo, quero assim ficar, com meus livros, minhas músicas, esportes, filmes e séries de terror, sem precisar me desculpar por não poder estar totalmente a seu dispor, mundo. E se não estou, quero a exposição, o riso fácil, o andar de mãos dadas, o brincar de ser feliz, o celebrar – fugaz, mas de intensidade extremista e eterna – estar vivo e amando assim, bem visto, bem assumido diante de todos, sem constrangimento, nem para dizê-lo, nem por dizê-lo. E quando retomamos nossos lares e deixamos de lado essa alegria momentânea, eu volto a minha criativa e satisfatória melancolia, sem receio de que a parceira prossiga seu universo pessoal, também, dentro do respeito mútuo. Assim, vivendo intensamente o amor e a solitude, a solidão só se torna criação e glória, e o amor mais que um bálsamo temporário, mas uma compensação indescritivelmente voluptuosa. Infelizmente, mundo, nenhum de teus viventes compreende o que ser assim representa. Por isso, sou taxado de relapso com meu corpo, de inconveniente em meus sentimentos, de egoísta em meu comportamento, de inconsequente nas manifestações de tristeza, de alguém tão diferente que amedronta. Nada disso. Só sou, como disse, fiel a tudo o que sinto. Aliás, a fidelidade, o respeito e a sensação de crescimento em relações é algo incomum de compreensão, por parte de teus moradores. Para os homens, sou uma caricatura de masculinidade. Para as mulheres, uma aberração que não parece existir e que afugenta ou um espertalhão fazendo papel de coitado. E não sou nada disso. Nem bom demais, nem ruim demais. Sei que não sou belo, jovem ou rico. Sei que sou inteligente e verdadeiro. A mim basta, porém, não a quem possa a vir se interessar. Porque quem “me compra” tem de levar o pacote completo. A transparência, a autenticidade, a exposição, a melancolia, a gargalhada, a estranheza, a cobrança por querer a mesma verdade, tudo vem junto a este produto, que não é de primeira mão ou qualidade, mas que entra em cada relação, de qualquer tipo, com a mesma intensidade de um garoto iniciante e pronto para aprender, do mesmo jeito que o eu professor está pronto a ensinar. E nessa salada de emoções e verdades ninguém se atreve a meter a colher. E se a mete, quer apenas lambuzar-se e sair incólume. Não sai. Porque ninguém entra e sai na vida de outra pessoa imaculado. Todos ficamos diferentes em alguma forma, de alguma maneira. Todos. A diferença é que, alguns, como eu, aceitam isso e até gostam. Porque o erro e a punição, para mim, são aprendizado. Quando sei que errei, que passei da conta, aceito sem reclamar todas as queixas de quem tem o direito. Outros, acostumados a fingirem não ter existido o que não lhes agrada, ou dispostos a qualquer coisa para não exporem o que viveram, ignoram, excluem, desprezam… e ainda se acham corretos. E mais… possuem adeptos, como você, mundo. Desculpe, mundo, mas eu não sou assim. E creio perfeitamente na minha verdade, que não é necessariamente a única, mas nem por isso eu a rejeitarei. Porque senão não seria eu. E o que eu tenho de mais valioso, mundo, é a consciência de meus acertos e erros. Sigo sozinho, portanto, sendo feliz na solitude e lamentando a solidão, enquanto alguém decida levar o pacote completo para sua vida. Pois esse é o homem que sou. Um humano. Inteiro, imperfeito, mas real. Não um simulacro de emoções.

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