Estou me sentindo em Asgard, cercado, esperando o ataque final. Para quem não acompanha HQs (Histórias em Quadrinhos), nesta o reino do herói Thor está sendo sitiado pelo vilão Norman Osborn e seus Vingadores Sombrios. Asgard é minha casa (e “minha casa é meu reino”, como diria o Biquini Cavadão), e Norman Osborn é o Coronavírus. Cada vez o cerco se fecha mais.
 
Um ex-colega de trabalho e uma de minhas melhores amigas provavelmente infectados, ainda não confirmados oficialmente, mas já isolados. A irmã de outra amiga já está infectada e igualmente isolada, mas, por ser jovem e os sintomas não estarem tão fortes, não deve correr grande perigo, felizmente. Contudo, tem um bebê que, provavelmente (espero que não), já está acometido pela praga. Uma terceira amiga estava desesperada com a possibilidade da doença, mas os exames deram negativo. Notícias de falecimento pelo vírus do dono de um grande restaurante onde já almocei e do sogro de uma atual companheira de trabalho e ex-aluna. Até aí, todos distantes, fisicamente.
 
 
Eis que ontem fui rapidinho a um mercadinho próximo. Na hora de pagar as compras, mantendo a devida distância, claro, para o comprador à minha frente, depois que este sai, vem a pergunta dramática da moça que está ao caixa: “Bom dia, tudo bem? O senhor conhece esse cidadão que saiu agora?” Estiquei o olhar, tentando relembrar o rapaz. Não. Não o conhecia. “Mora aqui do lado. O irmão faleceu ontem de COVID-19”, falou a moça, enquanto esfregava as mãos no álcool em gel.
 
O mercadinho fica a poucos quarteirões de minha casa. Bateu-me uma sensação de preocupação. Um pouco mais que um medo simples, um pouco menos que Naziazeno, o paranoico protagonista de “Os ratos”, de Dyonélio Machado. Imediatamente, me veio à mente a frase: “O cerco está se fechando”. Peguei minhas compras e fui para casa, andando numa rua menos movimentada, como se o fato de andar fora das calçadas ou num lugar “mais aberto” me desse algum alívio.
 
 
É uma sensação estranha, essa de não me sentir seguro, ainda que esteja fazendo o melhor que posso, em termos de prevenção. Entretanto, quando chego em casa e verifico minhas condições de existência, percebo que a possibilidade de pânico é o maior inimigo invisível que temos, mais até que o próprio vírus. Pelo menos três pessoas recentemente me ligaram ou entraram em contato aos prantos, sobre gente da família ou elas próprias sentindo todos os sintomas da virose similares à doença maldita.
 
Não sei a razão de recorrerem a mim, pois não tenho qualquer formação médica, mas mesmo assim, recorro à pergunta mais importante e equilibrada que posso fazer: “Está com falta de ar?”. Com a negativa, vem meu discurso honesto sobre nossa potencialização do que seria uma virose forte para o desespero da doença pandêmica. Viro uma espécie de Gerasim, de “A morte de Ivan Ilitch”, do russo Tolstói: aquele que de médico nada tem, mas cujas palavras inspiram confiança, diante de uma morte iminente. A grande e benfazeja diferença é que aqui, de fato, o paciente não morre.
 
Depois que meu “paciente” se acalma e ele ou seu parente se recupera, bate-nos a ambos um alívio incomensurável. O mesmo sentimento de: “foi só uma virose muito forte”. E é tragicômico comemorar que uma doença antes tão praguejada, porque nos deixa arrasados fisicamente, agora seja motivo de alívio. Voltas malucas que o mundo dá. Ou tem dado. Dizem que uma pandemia como essa, nesse ponto de contágio e mortalidade, acontece a cada 100 anos, com o agravante do impacto gradativamente maior de sua violência, a cada retorno.
 
Aqui parei e dei uma corridinha ao Google. A mais longeva das criaturas chegou aos 122 anos, uma senhora francesa. Isso oficialmente, segundo o Guiness’ Book. Porque há relatos de um cearense (tinha de ser) no Acre que teria vivido até os 133. O senhor José Coelho de Souza só não teve seu nome inscrito no livro dos recordes porque houve a alegação de um possível erro de registro da documentação. Mas o fato mais importante é: ninguém chegou aos 150. Se nada der errado, saindo dessa, não passo por coisa semelhante a esse caos outra vez. Ufa.

Comentário do facebook