…e comecei a aula.
 
Mais uma pausa, antes desta continuação. Só para dizer que gostei desse recurso de deixar um certo suspense para a diacrônica do dia seguinte. Não só por criar uma expectativa evidente para seu desfecho, mas também porque deu um certo ar de inovação ao gênero, apesar de esse recurso já ter sido usado anteriormente, na história, posto que é mais típico dos folhetins literários do século XIX e das novelas de televisão, suas herdeiras. Porém, nas diacrônicas, é uma novidade. E embora isso não tenha qualquer valor para outrem, gostei de fazê-lo. Sendo assim, diante da aparente inutilidade deste comentário, sigamos os fatos:
 
…e comecei a aula. Alguns já estavam na sala virtual, ansiosos, naquele barulho de quem há muito tempo não se reúne. Conhecem aquelas festas de “20 anos da turma tal”? Diminua o tempo para 2 meses, mas multiplique por 200 o potencial para falar, todo mundo ao mesmo tempo. Porém, ao ouvirem minha voz, um misto de ansiedade e respeito se ouviu repetida e crescentemente: “o Roderic, o Roderic, o Roderic entrou”. E o silêncio foi chegando. Pedi que silenciassem os microfones e só falassem quando eu solicitasse, por conta da organização. Que só falassem, por enquanto, se muito necessário, no chat, na telinha ao lado.
 
Foi um dos momentos em que vi que realmente nasci para o magistério. Todos silenciaram. Todos. E eram mais de 80, com três salas de 1ª série, alunos entre 15 e 16 anos, ávidos por se expressarem! O silêncio foi tão grande que fiquei na dúvida se não teria apertado algo errado e não estaria mais os escutando. Perguntei se podiam me ouvir. Algumas vozes de “sim” e alguns “OK” no chat me deixaram arrepiado. Eu conseguira o controle, realmente.
 
Decidi iniciar falando da saudade, do quanto eles fazem falta. Brinquei com um ou outro. Fiz aqueles comentários cômicos que costumo usar em sala para quebrar o gelo. E resolvi cantar, como fim de minha saudação. Escolhi duas estrofes e o refrão de “So Far Away”, da banda Dire Straits, com uma letra que fala sobre distanciamento. Tudo bem que a canção é mais pessoal, entre um homem e uma mulher. Mas o fato de “you” servir para singular e plural ajudou. Com gestos apontando para eles, naquela telinha, convenci-os de minha legítima sensação de tristeza provocada pela separação virtual. Recebi aplausos e gente dizendo que me amava.
 
Depois foi focar no conteúdo, com uma boa dose de improviso: se não sei usar PowerPoint, vamos de cartazes fabricados com folha ofício e pincel de quadro, para ficar visível, risos. Deu certo, também. Eu me assombrei com essa minha solução instantânea, pensada de última hora, num momento em que tentei explicar só na voz. Foi assim: simplesmente corri até a coordenação. Peguei as folhas. Os pincéis eu já tinha, pois eu vinha com a expectativa de usar o quadro, como disse no texto de ontem. E… saiu.
 
 
Até o fim, tudo transcorreu bem. Dei mais uma aula na mesma turma, uma hora depois. E outra para o 9° ano, à tarde. Faltava utilizar a plataforma da outra escola, no dia seguinte. Para resumir, foi tudo quase igual. A mesma expectativa de usar o quadro, a mesma frustração, a mesma música (como se diz no futebol, “ em time que ganha não sem mexe”), as mesmas reações positivas.
 
Contudo, nem tudo são flores. Além das óbvias dificuldades, nós, professores, passamos a trabalhar muito mais. Planejamentos anuais ou mensais viraram dia a dia. Tarefas colocadas e controladas em portais. Reuniões infinitas por todos os recursos, de plataformas a celulares, milhões de coisas a preencher, mensagens a ler até de madrugada, fiscalização constante, e vigília sobre nossas aulas. Eu chamaria de “vigia”, mais que “vigília”. Sinto que algumas pessoas querem fazer isso para ajudar, estar ali na hora em que fosse preciso colaborar. Já outras querem ter a oportunidade sonhada de patrulhar o professor.
 
Eu não mudo nada. As mesmas piadas, as mesmas brincadeiras, não sei ainda como gravar as aulas, mas mesmo quando aprender, não temerei. Não me importo com a opinião dos pais, nem das coordenações, muito menos de direções, com todo respeito. Meu trabalho tem de ser eficaz para o aluno. E se fiz do meu jeito a vida inteira e considero que deu certo (assim me atestam boa parte deles), não será a presença ou o olhar de um superior que me intimidará. Meus erros e acertos são julgados por meu aluno. Ele é quem sabe quando errei na mão, no tom da brincadeira ou no trato pessoal. É a ele que devo satisfação.
 
 
Se a escola achar que não sirvo, paciência. Posso, por força de circunstâncias, como essa maldita pandemia, me adaptar a uma desgraçada tecnologia. Porém, mudar? Não vou. Eu sou a versão Dewey Finn (“Escola do Rock”) de Will Shuester (“Glee”). Em uma aula particular, em uma sala lotada ou diante de um computador. Tanto faz. Tanto fez. Tanto farei.

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