É inacreditável, mas teu pai não tem palavras.

Este escritor, poeta, narrador da vida além-túmulo e cotidiana…

Está engasgado.

Eu vejo muitos todos te escreverem,

Emitirem textos lindos,

Extensos,

Elevados.

E eu não sei o que dizer.

Falta poesia para um poema,

Falta humor para uma crônica,

Falta enredo para um romance.

Teu pai é um inútil.

Eu só consigo sentir.

Sentir como se morresse em dobro.

Sentir como se não mais existisse.

Sentir como se nenhum amor fizesse mais sentido.

E quando tento seguir teus conselhos que me ressoam,

Quem amo não dá ouvidos, não me dá o coração.

A não ser, claro, o teu meio-irmão.

Tenho em minhas narinas o cheiro de ti bebê,

Que no primeiro dia peguei ao colo e ninei.

Sinto teu engatinhar sobre minha barriga

Na primeira vez que tocaste o chão,

Enquanto eu lamentava e tinha certeza

Da morte de Senna no acidente da televisão.

Ouço tua vozinha lamentosa dizendo “Papai”,

Quando meu cigarro acidentalmente

Queimou teu balão ao entrarmos no táxi.

Tenho a visão de tua curiosidade sorvendo, com o canudo

Do refrigerante, meu copo de cerveja, enquanto eu pagava a conta.

Lembro de cantar meus rocks mais suaves ao teu ouvido

Pra te fazer dormir enquanto acariciava teus cabelos.

Mas não sai nada.

Nem um verso belo, metrificado, sonoro, rimado.

Eu li Álvares, Varela, dos Anjos, Pessoa, Shakespeare.

E não achei ninguém que traduzisse ou inspirasse minha dor.

Teu pai é um inútil.

Eu te vi na escola, estudando,

E te amparei na queda, no choro, no joelho ralado.

Eu te dei lanche, sermão e sorrisos.

Eu te dei aula, desgostos e amigos.

E tu… tu me deste tua vida,

Teus abraços, tuas broncas, lágrimas,

Companhia, e muitas, muitas gargalhadas.

Nossos filmes juntos, nossas músicas juntos,

Nossos segredos juntos, tudo tu me deste

Sem pedir escambo. Sem cobrar um centavo

De sentimento retribuído por mim devido!

Até para me cobrar a saída prematura de teu convívio,

Foste suave como a flor que inspira teu nome.

Aliás, tu me deste muito mais que te dei,

Até que uma doença maldita te fez sair,

Prematuramente, – que sarcasmo cruel! – do meu convívio.

Te vi amar e ser amada como nunca fui,

– Quer conversar, pai?

Te vi ser gigante como nunca fui,

– Pai, joga a chave!

Te vi ser brilhante como nunca fui,

– Bora ver filme, pai?

Te vi rodar o mundo onde nunca fui.

– Tua cara, pai!

Te vi sofrer e sofri contigo onde nunca fui.

– Vai ficar tudo bem, pai.

Te vi partir e chorei como nunca fiz.

– Te amo, pai!

Contudo, tu não querias choro, e sim luta e esperança até o final.

Sorrias e brincavas até atravessar o portal…

Mas eu não consigo fazer disso algo belo.

Não consigo tirar a essência pura da Arte

Que recupera, sublima e sacraliza…

Teu pai é um inútil.

Só o que posso dar são as lágrimas diárias,

A revolta que me consome (embora não a queiras, eu o sei),

O amor eterno, a reclusão, aquele sorriso amarelo

De quem não quer se render…

Mas só por ti, por tua causa,

Porque sei que nunca me quiseste sofrendo.

E eu tento… mas não consigo.

Teu pai… é um inútil.

Não escrevo um mísero texto à altura de tua grandiosidade,

Não sorrio, não me recupero, não produzo.

Só sofro, choro e lamento.

Dia após dia.

Noite após noite.

Madrugada após madrugada.

E não há poesia nisso.

Só a eterna e silenciosa sensação dolorosa

Do único escritor que me veio à mente:

“Nunca mais”!

Comentário do facebook