Para quem não sabe, a origem da crônica em língua portuguesa remonta ao século XIV, durante o Humanismo. Vindo de “Chronos” (tempo, em grego), esse tipo de texto tinha a finalidade de dar relatos periódicos sobre os acontecimentos de uma determinada região para o rei de Portugal à época, D. Fernando. Tais relatos eram feitos por “cronistas” e depois reunidos, sintetizados e catalogados por um “cronista-mor”, no palácio de Lisboa. Após serem condensados e corrigidos, eram arquivados na Torre do Tombo (daí vem a expressão de que algo foi “tombado” pelo patrimônio histórico, por exemplo. Significa que foi resguardado, preservado para as gerações futuras). Apenas no século XIX, na França, tomou o formato diário e de “pertença” a um determinado cronista, como temos hoje. De lá, veio para o Brasil através de Portugal, já que nessa época os gauleses ditavam as regras culturais do planeta.
 
 
 
O grande trabalho que um cronista de jornais deve ter, hoje posso compreender, fazendo estas diacrônicas, é tentar manter uma produção diária que seja cativante, que “fidelize” seus leitores e que, ao mesmo tempo, não se torne repetitivo. Este é um temor meu e dificilmente poderei vencê-lo, pois às vezes é quase impossível não retomar um tema já falado, tamanha a insistência dos fatos momentâneos, bem como sua premência. Ou, em outra circunstância, achamos que certos temas não cabem, se esgotam por si mesmos, ficam desnecesários e pouco atraentes.
 
 
Muitas vezes temo que uma certa irregularidade (normal em qualquer tipo de produção, especialmente numa que se proponha a ser diária) afaste meu leitor. Como não sou exatamente um cronista, não se trata de minha especialidade (se é que tenho uma), fico a me perguntar do valor que estes meus textos possuem. Já escrevi algumas crônicas antes, coloco-as no meu site, deixo-as guardadas. Mas elas são registros de datas específicas, jamais havia me proposto a escrever diária e metodicamente sobre alguma coisa, muito menos com uma variação temática limitada a um foco maior (o vírus e a quarentena), e ainda me propondo a dar citações culturais diversas. Está sendo um grande e prazeroso desafio.
 
 
Porém, há dias em que nada ocorre. Eu me pergunto se os cronistas profissionais como Raquel de Queiroz, Paulo Mendes Campos ou Rubem Braga passavam por esse problema e tinham uma “carta na manga”, algum texto pronto, ou um assunto aleatório para tratar, quando se deparavam com tal dilema. Eu não tenho, talvez porque as limitações a que me impus dificultam ser tergiversante, risos. Aí caio em minha própria arapuca, como hoje. Tal qual uma Penélope, não a da mitologia, mas a de Dalton Trevisan, estou tecendo minha própria história, para morrer pouco a pouco nela. Afinal, quando esta pandemia acabar, provavelmente o Roderic cronista morra junto. Até lá, espasmos da morte aparecerão, em forma de falta de inspiração metódica.
 
 
 
Assim, enquanto remoía em minha mente o que poderia escrever no dia de hoje, ocorreu-me que nem sempre precisamos ter nada específico para falar, a não ser praticar este pequeno exercício de metalinguagem. Bem, pelo menos garanti mais um dia sequenciado e, quiçá, a fidelidade de suas agradáveis e deleitosas companhias nessa construção desta “manta de retalhos intelectuais”. Até amanhã.

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