Se ontem falei do passado, da saudade, hoje falarei do futuro. Caso estas diacrônicas, de alguma forma, sobrevivam a seu tempo, o que já é muita coisa, poderão um dia ser utilizadas por alguém para entender melhor esse 2020 difícil. Na hipótese de alguém estar lendo isto no próximo século, por exemplo, talvez ache estranho e rudimentar como nossos cientistas não estão conseguindo encontrar uma cura rápida para o COVID-19. Parecemos figuras medievas tentando escapar da Peste Negra, sem sucesso.
 
Entretanto, leitor do futuro, sabia que isto aqui nem de longe é algo simples de se lidar. Não tem qualquer semelhança com os livros de ficção. Não se trata de uma doença com referência metafórica política, como “A peste”, de Albert Camus, porém, tampouco é apocalíptico (esperamos), como “A dança da morte”, de Stephen King. Aliás, fugindo um pouco a minhas características literárias, se tivéssemos lido com mais afinco os avisos da cientista Laurie Garrett, que já em 1995 avisava sobre a possibilidade do retorno de velhas pragas e o surgimento bombástico de novas, talvez não estivéssemos passando por esta agora. Ou, pelo menos, teríamos mais gente levando isso a sério.
 
 
Você, leitor do futuro, não deixe de tirar lições deste período. Eu não sei quão evoluída estará a Ciência em sua época, mas um recado foi dado, nestes tempos: não superestime a humanidade. Ainda somos e seremos criaturas frágeis, porque quanto mais evoluímos tecnologicamente e ganhamos anticorpos de autoestima, mais perdemos imunidade em nossa humildade e precauções. Somos uma legião de Raskólnikovs: pobres de espírito, arrogantes e porque achávamos que sabíamos um pouquinho sobre algo, cometemos toda espécie de crime contra a existência. O castigo veio. Dostoievski tinha razão.
 
 
Não vou bancar aqui um Nostradamus e tentar prever o futuro. Aliás, as redes sociais de hoje já têm sido ávidas por encontrar profetas. Podem ser menos badalados, como a escritora de ficção brasileira Melissa Tobias, que em seu “A realidade de Madhu”, escrito em 2013, tem um parágrafo surpreendentemente próximo de nossa realidade, exceto por um detalhe: em seu mundo fictício, a doença penetra “somente em corpos incompatíveis com o amor ao próximo”. Óbvia e, diria até, infelizmente, nosso Coronavírus não é tão seletivo, assim. Talvez possam ser um pouco mais experientes, como o americano Dean Koontz, que em seu “The eyes of darkness” criou um vírus altamente letal com o nome de: Wuhan-400. Sim, Wuhan, a cidade onde tudo isso começou. Mas é incrível como as pessoas buscam explicações míticas ou místicas para algo tão simples de se entender: falhamos enquanto civilização.
 
 
Seja lá em que ano você está lendo estas diacrônicas, meu leitor do futuro, saiba que muitas pessoas não parecem preocupadas com a doença. Do Presidente da República aos cachaceiros da pracinha, milhões de brasileiros ainda estão indiferentes aos riscos e, mais que isso, mostram-se irritantemente revoltados por verem comércios, escolas e outros estabelecimentos não considerados de primeira necessidade fechados. Esquecem que a História já demonstrou que economias se recuperam, mas que vidas humanas, uma vez perdidas, não há meio. Mais que uma ameaça a si, eles a são a seus familiares, amigos, vizinhos. Estão na contramão do planeta. Espero que nos anos vindouros vocês tenham melhorado um pouco. Esta raça que se diz tão evoluída não consegue sequer lutar contra a perda de outros indivíduos da mesma espécie.
 
 
Não creio que cheguemos, nem agora, nem no futuro, a sermos um Lionel Verney, personagem da talentosa britânica Mary Shelley (sim, a mesma de “Frankenstein”), em “O último homem”. Não desejo para o pior escritor ser o autor de uma narrativa para nenhum leitor, tal qual acontece na fatalista obra em questão. Porém, se não nos cuidarmos, a humanidade como conhecemos estará desta e em outras vezes ameaçada justamente por falta de: humanidade.

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